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Notas sobre audiência de conciliação/mediação

Um processo judicial, em regra, tem como principal característica um conflito de interesses. Por esse motivo, alguns autores conceituavam o processo como uma guerra institucionalizada onde vence a parte que melhor utilizou das “armas” processuais. Essa percepção do processo, como uma estratégia processual, contribuiu para a formação de profissionais do direito voltados mais para o litígio do que para a solução consensual do litígio. Na década de 1980, autores como Mauro Cappelletti deram especial ênfase aos denominados meios alternativos de solução de conflitos, buscando uma justiça coexistencial onde as alternativas de superação da lide são propostas pelas próprias partes e não por um terceiro equidistante. De fato, alguns conflitos não são resolvidos por uma sentença judicial. Imagine a hipótese em que um casal que ainda se ama por algum mal-entendido pretende se divorciar. Neste caso, independente do que o juiz decida num litigio sobre divórcio, o conflito social ainda permanecerá entre o casal e estes vão entrar em conflitos sobre permanente sobre a guarda ou visitação do filho; partilha de bens ou qualquer outra questão que diga respeito ao casal. Significa dizer que, em alguns casos, uma sentença judicial pode resolver um conflito jurídico, mas não resolverá um conflito social. Nesses casos, o conflito permanecerá mesmo após a decisão judicial acarretando inúmeros recursos ou novas ações perpetuando um determinado conflito social. Visando superar essa cultura litigante, o Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu como etapa anterior ao contraditório a audiência de conciliação ou mediação. A proposta do legislador é permitir que as partes compareçam a uma audiência de conciliação ou sessão de mediação antes mesmo do réu apresentar sua defesa. O art. 334 do CPC diz que o réu será citado e intimado para comparecer a audiência de conciliação ou mediação. Uma primeira questão se coloca, essa audiência é obrigatória? Pela leitura do art. 334, §4º, a audiência de conciliação ou mediação somente não ocorrerá se tanto o autor quanto o réu se manifestarem expressamente o desinteresse na realização da mesma. Se apenas uma das partes se manifestar em sentido contrário a realização da audiência ainda assim essa ocorrerá. Caso o autor não tenha interesse na realização da audiência deverá se manifestar expressamente na petição inicial. Se autor elaborar sua petição inicial e não se manifestar expressamente acerca de seu interesse na realização deste ato o juiz concluirá em sentido positivo. O réu tem o prazo de até 10 dias, antes da audiência designada, para se manifestar em sentido contrário à realização da audiência. O silêncio de ambas as partes acarretará manutenção da audiência designada e a ausência ensejará a aplicação de multa de 2% do valor da causa em favor do Estado. Pensemos na seguinte hipótese: A ingressa com uma ação indenizatória em face de B. Na petição inicial A não se manifesta expressamente sobre a realização da audiência e B se manifesta em sentido contrário à sua realização. Ao interpretarmos o art. 334, §4º, I, do CPC, concluímos que audiência de conciliação ou mediação será designada normalmente e a parte que faltar, injustificadamente, será penalizado com multa de 2% sobre o valor pretendido pelo autor ou do valor da causa, que será revertida em favor da União ou do Estado (art. 334, §8º do CPC). Nos casos em que haja litisconsortes, somente será dispensada a audiência de mediação se todos os litisconsortes se manifestarem expressamente o desinteresse. Se um autor ajuizou uma ação contra 04 réus, todos, além do próprio autor, devem sem manifestar em sentido contrário a realização da audiência, pois, se assim não for, o juiz designará a audiência e as partes que faltarem sem a devida justificativa será penalizada com a multa referida acima. Essa obrigatoriedade contribui para fragilizar em alguma medida o conceito de solução consensual de conflitos, pois nos casos em que uma das partes não mais suporta ouvir a voz da outra esse ato processual não obterá nenhum resultado positivo. Não há dúvidas acerca da intenção do projeto que originou o CPC/2015 principalmente no que diz respeito ao fortalecimento da solução consensual de conflitos através da mediação. Entretanto, a sua obrigatoriedade pode ter, como efeito colateral, certa rejeição do jurisdicionado à essa forma de solução de conflitos, esvaziando, dessa forma, seu potencial pacificador das relações sociais. Além da obrigatoriedade legislativa deve-se, também, conscientizar exaustivamente a população sobre a importância dessa modalidade de solução de controvérsias de modo a reduzir na mentalidade dos cidadãos a ideia de que somente o juiz tem condições de julgar adequadamente um conflito. O art. 334,§4º, II, dispõe que a audiência de conciliação/ mediação também não será realizada se o direito controvertido não admitir autocomposição. São raras as hipóteses em que não se admita autocomposição. Um exemplo dessas hipóteses diz respeito às ações contra a Fazenda Pública. Em tese, o interesse púbico discutido em juízo impede que a advocacia pública transija sobre os interesses públicos. No entanto, a Lei nº 13.140/2015 dispõe sobre autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública ampliando as possibilidades de solução consensual em relação à Fazenda Pública. Assim, a impossibilidade de realização da audiência de conciliação/mediação tem seu alcance reduzido na praxe forense. Se faz necessário, ainda, diferenciar as hipóteses em que haverá audiência de conciliação e as que haverá sessões de mediação. O Código de Processo Civil não é claro nesse aspecto. No entanto, a interpretação sistemática do código sugere um entendimento razoável sobre o tema. Segundo o art. 165, §2º, a conciliação será indicada para os casos em que não existe vínculo anterior entre as partes. Já a mediação será indicada nos casos em que haja um vínculo anterior entre as partes. As partes devem comparecer acompanhadas de advogado ou defensor público (art. 334, §9º do CPC). Essa regra tem como escopo garantir que nenhuma parte fique vulnerável na provável elaboração do acordo. Nesse sentido, a parte poderá constituir representante com poderes específicos para negociar e transigir (art. 334,§10 do CPC). Essa regra é importante, considerando que existem profissionais da advocacia com expertise em solução consensual de conflitos cuja atuação pode ser fundamental na solução da lide por este via. Nada impede, portanto, que, após a frustração da audiência de conciliação/mediação, as partes possam outorgar poderes para advogados com maior preparo para o contencioso cível. O código valoriza a conciliação e mediação como formas consensuais de solução de conflito (art. 3º,§§2º e 3º do CPC). Por esse motivo, estabeleceu como etapa preliminar do procedimento comum com claro objetivo de aprimorar a prestação da tutela jurisdicional pela autocomposição. Além da audiência de conciliação e mediação prevista no art. 334 do CPC, o ordenamento processual estabelece que a mediação é obrigatória nas ações de família (arts. 694 a 697 do CPC), somente tramitando pelo procedimento comum nos casos em que, após diversas tentativas, não for possível obter o acordo. Tais dispositivos legais evidenciam a importância que estes meios de solução de conflito ganharam no CPC/2015. Por fim, a audiência de conciliação e mediação poderá ser realizado por meio eletrônico. Embora essa técnica ainda não tenha plena aplicabilidade em todos país dúvida não há quanto seu potencial para dinamizar a solução consensual de conflitos no Brasil.

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