Pular para o conteúdo principal

Notas de Aula - Competência - Introdução


Competência e jurisdição
A competência é um dos temas mais importantes do direito processual civil, razão pela qual seu estudo aprofundado é fundamental para melhor compreensão acerca do funcionamento da própria estrutura judiciária brasileira.

Nesta linha, é preciso diferenciar com clareza competência e jurisdição. A Jurisdição é uma atividade ou função estatal que tem como finalidade declarar, em cada caso concreto, o direito eliminando o conflito ou a incerteza acerca de uma relação jurídica. Desta forma, todo e qualquer juiz está investido de jurisdição e deve, quando provocado, solucionar o conflito ou promover a administração de interesses privados nos casos de jurisdição voluntária.

No entanto, não há como se obter uma tutela jurisdicional de qualidade, efetiva e mais célere possível se todos os juízes apreciarem todas as espécies de conflitos ou interesses levados ao Judiciário. A divisão do trabalho para melhor atender à sociedade é necessária não só como forma de melhorar a prestação da atividade jurisdicional como também racionalizar a própria administração da justiça.
Esta divisão do trabalho é denominada competência. Podemos conceituar a competência, como o resultado de critérios para distribuir entre vários órgãos as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição. A competência é o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos por lei. É o âmbito dentro do qual o juiz pode exercer a jurisdição. É a medida da Jurisdição (Didier, Fredie. Curso de Processo Civil, vol 1, 14ª edição, pág. 134).

Percebemos então que todo juiz está investido de jurisdição mas nem todo juiz é competente para apreciar determinada causa, considerando que a competência é previamente definida em lei, consequência mesmo do principio do juiz natural.
Competência – Critérios

A competência é previamente definida em lei. Diante da complexidade da estrutura judiciária brasileira, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu com certa clareza e detalhes a competência no âmbito do Poder Judiciário brasileiro.
O art. 92 do texto constitucional elenca de forma taxativa os órgãos do Poder Judiciário e define a competência destes nos artigos seguintes. Desta forma, a competência da Justiça Federal é definida no art. 109, Justiça do Trabalho no art. 114, a competência da Justiça Eleitoral no art. 118, a Justiça Militar no art. 122 da Constituição Federal de 1988. A competência da justiça estadual será sempre definida pelos Código de Processo Civil e pelos Códigos de Organização Judiciária dos Estados, conforme dispõe o art. 125 da CF/88.

A própria Constituição Federal estabelece um primeiro critério para a definição da competência dividindo a justiça brasileira entre Justiça Especializada ou Especial (trabalho, eleitoral e militar) e Justiça Comum (Federal e Estadual). O critério estabelecido tem como base a natureza do conflito a ser levado ao Judiciário.
Com efeito, a Constituição é a regra primeira em termos de competência, não podendo a lei infraconstitucional alterar o que foi definido previamente no texto constitucional. Assim, diante de um caso concreto o profissional do direito pode definir o órgão competente a partir de um simples exercício de raciocínio por eliminação.

Primeiro se verifica se a competência é interna ou internacional. Neste passo o profissional irá verificar se a causa deve ser proposta no Brasil ou em algum outro país. Verificado que a competência é interna, passa-se a estudar se a causa é de competência da justiça especializada ou comum. Caso seja especializada, a competência desta está definida na CF/88, a ação poderá ser distribuída sem nenhum problema. Caso não seja da justiça especializada, a competência será da justiça comum, necessitando, portanto, saber se a competência é da justiça estadual ou federal. Neste caso aplica-se a regra, em processo civil, do art. 109, I, da Constituição Federal de 1988.
Em todas as causas em que a união for parte, interessada ou assistente a competência será da Justiça Federal. Não sendo esta a hipótese, estaremos diante da hipótese da competência da Justiça Estadual, também denominada de residual, vez que está na última cadeia do raciocínio, e suas respectivas regras estão definidas no Código de Processo Civil.

Passemos então à análise destes critérios.
Competência Internacional

Como foi dito, o primeiro ponto a ser analisado diz respeito à definição se a causa deve ser distribuída no Brasil ou em outro país. Neste caso, no âmbito do direito processual civil, a definição está nos arts. 88 e 89 do Código de processo civil.
O CPC estabelece dois critérios para definição da competência, a competência concorrente e a competência exclusiva. No primeiro caso, a ação poderá ser distribuída tanto na Brasil como no exterior, conforme bem define o art. 88 do CPC. No segundo a competência é exclusiva do Brasil, mesmo no caso das partes estarem residindo fora do país, a ação deve ser distribuída perante o Poder Judiciário Brasileiro.

Vamos aos exemplos. Imagine que José está na Itália em uma viagem romântica com seu amor Natalia. Em meio a um passeio de barco, ambos sofrem um acidente ocasionado por negligência do operador de veículo marítimo. Neste caso, José estará com a seguinte dúvida: propor a ação no Brasil ou na Itália? Neste caso estamos diante de uma competência concorrente, o que significa dizer que a ação pode ser proposta tanto no Brasil como na Itália, conforme art. 88 do CPC. A escolha caberá ao autor.
Diferente é a hipótese em que a demanda versar sobre bens imóveis situados no Brasil, pois estamos diante de uma competência exclusiva. Vamos aos exemplos. Imagine que John, advogado norte-americano, compra um imóvel situado na Barra da Tijuca de propriedade de Roberto, brasileiro que reside na França há mais de 10 anos. Roberto, após o pagamento integral do imóvel pretende reivindicar por qualquer motivo. Neste caso, ainda que as partes residam fora do país, a ação deverá ser distribuída no Brasil, pois este é o único país competente para apreciar demanda sobre imóveis localizado no território brasileiro, conforme dispõe o art. 89, I, do CPC.

Outra hipótese de competência exclusiva decorre da partilha de bens situados no Brasil. Imagine que Antonio resida na Alemanha e possui diversos bens móveis e imóveis no Brasil. Seus filhos moram no Japão. Diante do falecimento de Antonio na Alemanha, o inventário para partilha de seus bens pelos herdeiros deverá ser aberto no Brasil. Tanto o Japão como a Alemanha são incompetentes, pois a competência é exclusiva do Brasil.
 Competência da Justiça Federal

O que nos interessa, no âmbito do direito processual civil, são os critérios para a definição da competência da Justiça comum, considerando que a Competência da Justiça Especializada é estudada por ramos específicos, como o direito processual do trabalho, sendo o CPC aplicado subsidiariamente quando for o caso.
A competência da Justiça Federal é definida no art. 108 e 109 da Constituição Federal. Desta forma a competência dos órgãos de primeira instância é definida no art. 109 e dos Tribunais Federais no art. 108 do texto constitucional.

Como foi mencionado, a Justiça Federal será sempre competente para as causas em que a União e suas autarquias forem partes, interessadas ou assistentes. Trata-se de definição de competência em razão da pessoa. Podemos incluir também nestes casos as empresas públicas federais, tais como a Caixa Econômica Federal e os Correios. Importante registrar que as empresas de economia mista estão excluídas, conforme Súmula 42 do Superior Tribunal de Justiça.
Considerando que a Justiça Federal não alcança todos os Municípios e localidades, ela se divida em Seções Judiciárias, onde o próprio Estado pode configurar em uma Seção Judiciária, como é o caso do Estado do Rio de Janeiro. Neste sentido, a competência territorial (foro) da Justiça Federal é definida no art. 109, §§1º e 3º da CF/88.

O parágrafo 3º do mencionado art. 109 trata de importante hipótese criada para ampliação do acesso à justiça, considerando a falta de órgãos da Justiça Federal em alguns municípios. Segundo essa regra, nos municípios em que não houver Justiça Federal a ação em face do INSS poderá ser proposta na Justiça Estadual, onde o juiz estadual estará investido de jurisdição federal.
Na hipótese de discordância da decisão do juiz estadual investido de jurisdição de federal, eventual recurso deverá ser interposto no Tribunal Regional Federal, nos termos do art. 108, II, da CF/88.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Impossibilidade de aditar a contestação eletrônica em sede de Juizados Especiais Cíveis Estaduais

Em determinada audiência de instrução de julgamento realizada em sede de juizado especial cível, em que tive a oportunidade de atuar como advogado do autor, a representante legal da empresa ré requereu à juíza leiga emenda à contestação para ampliar os argumentos da defesa. Diante da manifestação inusitada, e para mim contrária ao princípio da eventualidade (art. 302 do CPC), me manifestei no sentido da impossibilidade de complementação da contestação, em audiência, em sede de juizados especiais cíveis que tenham processamento eletrônico, considerando que a defesa já foi devidamente apresentada em momento anterior à própria audiência. A insistência da advogada e o silêncio da juíza leiga me motivaram a registar aqui a minha posição sobre o tema, que ainda não teve o devido tratamento na doutrina processual civil. Penso que o processamento eletrônico, inaugurado pela Lei. 11.419/06 impôs séria reflexão sobre institutos processuais consolidados a partir da experiência cotidiana do proce...

Notas sobre audiência de conciliação/mediação

Um processo judicial, em regra, tem como principal característica um conflito de interesses. Por esse motivo, alguns autores conceituavam o processo como uma guerra institucionalizada onde vence a parte que melhor utilizou das “armas” processuais. Essa percepção do processo, como uma estratégia processual, contribuiu para a formação de profissionais do direito voltados mais para o litígio do que para a solução consensual do litígio. Na década de 1980, autores como Mauro Cappelletti deram especial ênfase aos denominados meios alternativos de solução de conflitos, buscando uma justiça coexistencial onde as alternativas de superação da lide são propostas pelas próprias partes e não por um terceiro equidistante. De fato, alguns conflitos não são resolvidos por uma sentença judicial. Imagine a hipótese em que um casal que ainda se ama por algum mal-entendido pretende se divorciar. Neste caso, independente do que o juiz decida num litigio sobre divórcio, o conflito social ainda permanecerá...

ADPF nº 976 E O ACESSO À JUSTIÇA DAS COLETIVIDADES

A decisão proferida na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 976 em 25/07/2023, que trata do Estado de coisas inconstitucional relativa às condições desumanas vivenciadas pelas pessoas em situação de rua, foi um importante passo em relação ao acesso à justiça das coletividades e dos grupos sociais invisibilizados. A medida cautelar concedida proíbe a remoção forçada das pessoas em situação de rua pelos estados, como também impõe medidas para assegurar a dignidade, como prévio aviso sobre mudanças climáticas. A ação foi proposta pela Rede Sustentabilidade, Partido Socialismo e Liberdade e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e conta com a cooperação de diversas entidades da sociedade civil organizada. A instauração do procedimento foi democratizado com a realização de audiência pública em 2022. Trata-se de um problema estrutural que aprofunda as desigualdades no Brasil e demanda uma solução estrutural precedida de um processo decisório amplo e democrático. É, sem dúv...