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Notas de aula Resposta do Réu – Reconvenção (art. 315 do CPC)


 
Embora esteja inserida entre as respostas do réu, a reconvenção não tem como finalidade apresentar algum tipo de defesa do réu. Constitui, na verdade, uma ação do réu em face do autor aproveitando o mesmo processo, em atenção ao princípio da economia processual. Trata-se de um contra-ataque do réu em face do autor.

Importante salientar que a reconvenção é cabível somente no rito ordinário. No rito sumário a pretensão do réu em face do autor deve ser formulado através do pedido contraposto, disposto no art. 278,§1°, do CPC. No Juizado Especial Cível a pretensão do réu em face do autor é formulada através de pedido contraposto regulado pelo art. 31 da Lei 9.099/95.

Outro aspecto importante relativo ao cabimento da reconvenção diz respeito à desnecessidade de ajuizar demanda reconvencional nos casos de ação dúplice. Ações dúplices são aquelas através das quais o juiz ao decidir a lide pode prestar tutela jurisdicional tanto ao autor como réu. Neste sentido, o réu, no caso das ações dúplices, pode formular pedido na própria contestação. As ações dúplices não cabem no rito ordinário, sendo reguladas no capítulo referente aos procedimentos especiais. A título de exemplo podemos citar as ações possessórias (art. 922 do CPC); nas ações de consignação em pagamento (art. 899, §1° e 2° do CPC) entre outras.

Natureza jurídica e requisitos

A demanda reconvencional por ser uma nova ação não está limitada à natureza da ação principal. É possível que o autor ingressa com uma ação condenatória em face do réu, por inadimplemento de um contrato, e o réu apresente reconvenção de natureza constitutiva buscando a rescisão contratual. Com efeito, a reconvenção pode ter natureza condenatória, constitutiva ou declaratória, independente da natureza da ação principal.

Os requisitos para a reconvenção são divididos em genéricos e específicos. Os requisitos genéricos dizem respeito aos requisitos normais para ingressar com qualquer ação tais como as condições da ação (legitimidade, interesse processual e possibilidade jurídica do pedido) e os pressupostos processuais (partes capazes, órgão jurisdicional competente e demanda regular). Caso um dos requisitos genéricos estejam ausentes e o vício seja insanável acarretará a rejeição liminar da reconvenção na forma do art. 267, IV e VI do Código de Processo Civil.

Os requisitos específicos para propor a reconvenção são a) que o juiz da causa principal não seja absolutamente incompetente para a demanda reconvencional (art. 109 do CPC); b) compatibilidade procedimental entre a ação principal e a demanda reconvencional (p. ex: ação principal é uma ação de cobrança pelo rito ordinário e o réu ajuíza reconvenção de consignação em pagamento, procedimento especial. O exemplo mostra a incompatibilidade de procedimentos); c) estar pendente ação principal. Trata-se de um requisito lógico pois sem ação pendente a demanda seria uma ação própria e não uma reconvenção. Reconvenção somente existe por existir uma ação principal. d) haver conexão entre a reconvenção e a ação principal ou com o fundamento da defesa. Trata-se de um dos principais requisitos específicos da reconvenção pois impede por exemplo que em uma ação de cobrança o réu apresente reconvenção buscando o reconhecimento de paternidade. Cabe reconvenção sempre que houver conexão tanto pelo pedido ou pela causa de pedir.

Para ilustrar este último requisito podemos citar dois exemplos. Imagine que A ingresse com uma ação de divórcio em face de B sob o fundamento de que não existe mais coabitação. B apresenta reconvenção querendo também o divórcio sob a alegação de traição. Trata-se de reconvenção conexa com a ação principal pelo pedido (divórcio). Outro exemplo diz respeito a determinada ação principal que busca indenização pelo inadimplemento contratual. O réu apresenta reconvenção buscando a nulidade do contrato. Observa-se que as demandas são conexas não pelo pedido (que são diferentes, mas pela causa de pedir (a existência de um contrato).

Uma vez presentes os requisitos a reconvenção será admitida e processada juntamente com a ação principal. Caso seja inadmitida liminarmente caberá recurso de agravo de instrumento.

Feitas as considerações gerais resta estudar o procedimento da demanda reconvencional.

Prazo e autonomia

A reconvenção deve ser apresentada no prazo da contestação, 15 dias, conforme dispõe o art. 297 do CPC. Importante reforçar que o réu não é obrigado apresentar a contestação e a reconvenção, pode apresentar somente uma ou outra, mas caso deseje apresentar contestação e reconvenção estas devem ser apresentadas simultaneamente, conforme se depreende da leitura do art. 299 do CPC.

Caso o réu apresente contestação no 10° dia e a reconvenção no 12° dia a segunda será rejeita ante a preclusão consumativa, ainda que seja apresentada dentro do prazo de 15 dias.

Embora a reconvenção seja apresentada nos mesmos autos da ação principal ela é autônoma em relação a esta. Caso a ação principal seja extinta a reconvenção terá seu tramite normal, não será afetada pela extinção anômala da ação principal, conforme art. 317 do CPC.

Ampliação objetiva da demanda (pedido) e ampliação subjetiva (partes)

A reconvenção provoca uma ampliação objetiva da demanda. O juiz que inicialmente tinha que julgar apenas o pedido do autor com a reconvenção terá o processo seu objeto ampliado para conhecer não só o pedido do autor mas também o pedido do réu, tudo na mesma sentença conforme dispõe o art. 318 do CPC.

No entanto, existe debate doutrinário e jurisprudencial no sentido de se possibilitar a ampliação subjetiva. Em regra a reconvenção não acarreta a ampliação subjetiva pois é uma ação do réu, que se torna réu-reconvinte, em face do autor, que se torna autor-reconvindo. O CPC não autoriza, pelo menos em tese, a inclusão de um réu na demanda reconvencional que não seja o autor.

No entanto, alguns autores entendem, que em atenção ao princípio da economia processual, é possível, em alguns casos, a inclusão de um terceiro que não seja autor da ação principal mas que pode ser réu na demanda reconvencional. Os casos mais significativos são os de litisconsórcio necessário. Imagine que A ingressa com uma ação discutindo a legalidade de uma determinada cláusula contratual em face de B. B apresenta reconvenção buscando a rescisão do contrato discutido em juízo. Ocorre que o contrato foi realizado entre A, B e C. Como a rescisão contratual vai afetar diretamente C este deve ingressar na demanda ante o litisconsórcio necessário. Neste caso B poderá, pelo menos para alguns entendimentos doutrinários, reconvir em face de A autor da ação principal e C que não integra a lide.

São favoráveis a ampliação subjetiva Alexandre Câmara, Fredie Didier. Em sentido contrário, por todos, Barbosa Moreira.

Citação

Conforme dispõe o art. 316 do CPC o autor-reconvindo será citado na pessoa de seu advogado. Poderá, após a citação, apresentar todas as modalidades de respostas, inclusive apresentar nova reconvenção.

Decisão que julga a reconvenção e recurso cabível

O curso normal da demanda reconvencional será o julgamento conjunto, na mesma sentença, com a demanda principal. Caso haja discordância dos litigantes em relação à sentença poderão apresentar recurso de apelação, na forma do art. 513 do CPC.

Hipótese curiosa ocorre quando a ação principal ou a reconvenção são extintas liminarmente. Caso a ação principal seja rejeitada liminarmente, por ausência de condições da ação, e a demanda reconvencional tenha seu curso normal, o recurso cabível contra a decisão que rejeitou liminarmente a ação principal será agravo de instrumento na forma do art. 522 do CPC.

Embora a rejeição liminar da ação principal tenha conteúdo de uma sentença, vez que as ações são autônomas, esta rejeição será feita através de uma decisão interlocutória vez que o processo terá seguimento para julgar a demanda reconvencional.

 

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