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A remodelagem do agravo interno na processualística contemporânea

1. Breve panorama histórico do agravo interno O recurso de agravo interno recebeu tratamento normativo específico no Código de Processo Civil de 2015, transformando-se num importante instrumento de controle na formação e aplicação dos precedentes judiciais. Entretanto, para se compreender adequadamente o atual regime do agravo interno necessário se faz abordar, ainda que de forma superficial, o modo como este recurso foi inserido na processualística brasileira. Essa breve digressão histórica é fundamental, em nosso sentir, para o estudo aprofundado do novo escopo atribuído ao agravo interno pelo ordenamento processual vigente. A Lei nº 9.756/1998 promoveu uma reforma qualitativa no regime de julgamento dos recursos ampliando de forma significativa os poderes do relator no julgamento dos recursos. A referida legislação alterou a redação art. 557 do código revogado de modo a permitir ao relator julgar monocraticamente os recursos quando estes forem manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com os precedentes editados pelos tribunais locais e pelos tribunais superiores . Extrai-se da teleologia da norma, portanto, que o principal objetivo do legislador era, na ocasião, minorar a carga de trabalho dos órgãos colegiado, posto que a medida reduziu consideravelmente as pautas de julgamento dos tribunais (BARBOSA MOREIRA, 2008). Por outro lado, a expansão dos poderes do relator levado a efeito pela Lei nº 9.756/1998 teve, também, como objetivo estabelecer as bases para inserção de um método de padronização vertical e horizontal das decisões judiciais, que possibilitou o surgimento das condicionantes institucionais para o aprofundamento do sistema de precedentes judiciais aprofundado, de forma estruturada, no Código de Processo Civil de 2015. É neste contexto que surge o agravo interno, equivocadamente chamado de agravo regimental . Conforme dispunha o art. 557,§1º do código revogado, a parte que se insurgisse contra a decisão monocrática proferida poderia interpor, no prazo de 05 dias, recurso de agravo. Com efeito, o agravo interno tinha como finalidade principal, por um lado, provocar a apreciação colegiada do recurso interposto anteriormente pela parte, e, por outro, esgotar a etapa recursal, no tribunal local, para viabilizar o manejo dos recursos excepcionais para os tribunais superiores . Nessa perspectiva, o agravo interno era manejado com a finalidade de encaminhar o julgamento para o colegiado, que é o juiz natural dos recursos, e cumprir um dos requisitos para interposição dos recursos excepcionais. Esse escopo limitado do agravo, sobretudo na processualística anterior ao Código de Processo Civil de 2015, não estimulou maiores reflexões críticas sobre esse recurso, sendo até mesmo considerado, por segmentos da literatura processual, como meio administrativo de integração da vontade do tribunal, como bem apontou José Miguel Medina (2015). O CPC/2015 e as alterações resultantes da Lei nº 13.256/2015, promoveram uma remodelagem no recurso de agravo interno, que deve ser bem compreendido pelos profissionais e estudiosos do tema para que o novo regime do recurso estudado alcance a plena efetividade. 2. Novo escopo do agravo interno O art. 926 do CPC inseriu em nosso ordenamento processual um sistema de precedentes judiciais cujo principal propósito é assegurar a estabilidade, integridade e coerência das decisões judiciais. Essa estabilidade jurisprudencial, tanto no plano horizontal, no âmbito dos tribunais locais, como também no plano vertical, tem como intuito, pelo menos em tese, assegurar maior observância das decisões e teses jurídicas exaradas pelos tribunais superiores. Diante do fortalecimento dos precedentes judiciais vinculantes , o agravo interno foi redimensionado em suas hipóteses de cabimento com o intuito de se garantir, à parte interessada, maior participação no processo de formação das decisões judiciais no âmbito dos tribunais, como também exercer, pela via recursal, a distinção (distinguish) nos casos de aplicação arbitrária ou equivocada de precedentes judiciais pelos tribunais. Neste cotejo, o código vigente deu tratamento normativo mais detalhado ao agravo interno (art. 1.021), inserindo-o no rol dos recursos (art. 994, III) como também ampliou o prazo para a sua interposição de 05 para 15 dias (art. 1003,§5º). Por outra perspectiva, quanto à ampliação das hipóteses de cabimento, o agravo interno teve seu escopo ampliado. Assim, o recurso é cabível para impugnar genericamente decisões monocráticas proferidas pelo relator (art. 1.021); para impugnar decisão de inadmissibilidade de recursos excepcionais pelos tribunais locais (art. 1.030, I, com redação determinada pela Lei nº 13.256/2016); cabível nas hipóteses de sobrestamento indevido de recurso cuja controvérsia seja objeto de recursos repetitivos ainda não apreciados pelos tribunais superiores (art. 1.030, III, com redação determinada pela Lei nº 13.256/2016); para impugnar eventual sobrestamento indevido de recurso na apreciação de repercussão geral (art. 1.035,§7º, com redação determinada pela Lei nº 13.256/2016) e, por fim, poderá, ainda, o agravo interno ser manejado quando ocorrer suspensão indevida, de processos pendentes, no julgamento de recursos repetitivos (art. 1.037, §13º). Por esse prisma, para melhor compreender o tratamento normativo dado ao recurso no CPC/2015, se faz necessário o estudo do agravo interno em pelo menos duas dimensões distintas, que serão desenvolvidas nesse trabalho. A primeira dará ênfase às inovações no regime do agravo interno, como recurso específico, contra decisões monocráticas proferida no âmbito dos tribunais no julgamento dos recursos ordinários. A segunda dimensão, que se pretende original, abordará o agravo interno como instrumento de controle e democratização na aplicação do sistema de precedentes judiciais brasileiro. Essas são, portanto, as premissas que serão utilizadas ao longo do texto. 2.1. Principais inovações no regime do agravo interno O art. 1.021 do CPC/2015 refinou o regime do agravo interno superando controvérsias sobre o cabimento e regime do recurso. Andou bem o legislador ao incluir o agravo interno no rol dos recursos (art. 994, III), superando quaisquer controvérsias acerca de sua natureza recursal. Por outro lado, dilatou o prazo para interposição do recurso para 15 dias, garantindo o exercício do contraditório com a fixação de igual prazo para manifestação do agravado (art. 1.021, §2º). Outra importante inovação diz respeito à necessidade de fundamentação estruturada (art. 489) do relator ao julgar o recurso. Segundo inteligência do art. 1.021,§3º, é vedado ao relator reproduzir os fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o recurso. O intuito da regra, sem dúvida, é impedir que o relator reproduza, em seu voto no colegiado, a ratio decidendi utilizada no julgamento monocrático, sem trazer à lume os fundamentos novos ventilados pelo recorrente. Trata-se, neste sentido, de inovação que visa aprimorar o controle das decisões judiciais. O Código de Processo Civil de 2015 inovou ao permitir a sustentação oral no julgamento do agravo interno nas hipóteses em que o relator extinga, monocraticamente, o mandado de segurança, a ação rescisória ou a reclamação (art. 937,§3º). A inovação foi objeto de intenso debate pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, na seção plenária do dia 07/04/2016, sobre a aplicabilidade das regras do novo código aos recursos pendentes de julgamento. O debate teve início a partir da questão de ordem levantada pela Presidência no julgamento do AgR no MS 34.023/DF , onde a Procuradoria do Estado de Santa Catarina e Advocacia Geral da União formularam requerimentos para sustentação oral no julgamento do agravo interno interposto, nos termos do art. 937,§3º do CPC, contra decisão monocrática, proferida pela Ministro Fachin, que extinguiu sem resolução do mérito a ação mandamental. A discussão, que durou mais de uma hora, versou sobre a aplicação da lei processual no tempo, estabelecendo forte divergência entre os ministros. Para o Ministro Luiz Fux, a lei de regência do recurso é aquela em vigor no momento da publicação da sentença estendendo-se até o final do julgamento do recurso, sendo, portanto, vedada a sustentação oral dos advogados. O ministro foi acompanhado pelo Procurador Geral da República Rodrigo Janot e, em parte, pelo Ministro Barroso. Em outra linha de raciocínio, os Ministros Lewandosvisk, Teori Zawascki, Marco Aurélio e Celso de Melo divergiram sob o argumento de que há diferenças entre o regime de admissibilidade do recurso e regime sobre a ordem dos processos nos tribunais, que deve ser aplicada a lei vigente na data do julgamento do recurso, o que autoriza, portanto, a sustentação oral no julgamento do agravo. O agravo interno contra decisão monocrática do Ministro Fachin, portanto, foi julgado sem que o plenário do STF enfrentasse a questão posta pelos advogados públicos. A questão, de fato, não é simples. No entanto, no que tange ao direito intertemporal, nos filiamos à corrente doutrinária que entende o processo como ato, para efeito de aplicação da lei processual nova, razão pela qual defendo que o regime de admissibilidade do recurso deve observar a lei processual em vigor na data da publicação da sentença ou decisão judicial. Entretanto, interposto o recurso, a dinâmica do processo nos tribunais deve observar a lei processual em vigor no momento do julgamento do recurso. Se não for assim, os tribunais atuarão com dois regimes da ordem dos processos, por um período indeterminado, o que contraria a isonomia e a segurança jurídica no que tange ao tratamento dado aos recorrentes. Por outro lado, não se vislumbra prejuízo insuperável admitir sustentação oral nos agravos internos interpostos na forma do art. 937,§3º do CPC ou mesmo sustentação oral nos agravos de instrumento interpostos contra decisões proferidas em tutela provisória (art. 937, VIII). A contradição na aplicação do CPC/2015 pode agravar se consideramos o fato de que os tribunais já vêm aplicando determinadas regras concernentes a ordem dos processos, como o respeito ao prazo mínimo de 05 dias para publicação da respectiva (art. 935), apenas para exemplificar. A nossa posição, é no sentido de se aplicar, de imediato, as regras do CPC/2015 nos atos referentes à temática da ordem dos processos nos tribunais, dando força normativa às regras dispostas nos arts. 14 e 1.046 da novel Diploma processual. Embora o plenário não tenha resolvido a questão de ordem, o nosso entendimento se consolidou após ouvir os fundamentos do Ministro Marco Aurélio que, a nosso ver, se adequa à melhor interpretação acerca de direito intertemporal. Citando lições de Barbosa Moreira, como lhe é costumeiro nessas ocasiões, o Ministro Marco Aurélio sustentou que se faz necessária distinção entre regime do recurso e procedimento do julgamento do recurso, considerando a natureza instrumental da norma. Com efeito, as inovações sobre cabimento do recurso como prazo, forma de interposição entre outros, deve se observar a legislação em vigor no momento da interposição do recurso. No entanto, no que concerne ao procedimento de julgamento do recurso aplica-se a legislação em vigor no momento do julgamento do recurso. Essa interpretação nos leva a conclusão de que é perfeitamente aplicável a sustentação oral nos agravos internos pendentes de julgamentos quando a sessão de julgamento for agendada após a vigência do novo código. Uma vez superadas as controvérsias sobre a aplicação das novas regras acerca do agravo interno, que se resolverão com o passar do tempo, não restam dúvidas de que as inovações elencadas acima demonstram o aperfeiçoamento do agravo interno como recurso específico para impugnar decisões monocráticas, acentuando, dessa forma, seu escopo como forma de controle das decisões judiciais. 2.1.1. Agravo interno como instrumento de controle no sistema de precedentes judiciais O direito processual brasileiro vem caminhando por diversas transformações históricas e conceituais que estão contribuindo, sobremaneira, para consolidar um sistema processual híbrido, ou seja, com matizes dos sistemas civil law e common law. Neste contexto, tanto a lei como os precedentes judiciais, editados pelos tribunais superiores e locais, são instituídas como fontes primárias do direito. No direito processual civil a transformação tem sido mais intensa. O Código de Processo Civil de 2015 institui, no art. 927, diversos métodos de formação precedentes judiciais com o propósito de se desenhar um sistema padronizado, vertical e horizontal, de decisões judiciais com a proposta de se garantir maior estabilidade da jurisprudência e, como consequência, maior segurança jurídica e celeridade no julgamento de demandas repetitivas. Assim, segundo inteligência do art. 927, o sistema de precedentes judiciais é composto pelas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no controle da constitucionalidade; pelos enunciados de súmula vinculante; pelos acórdãos proferidos no incidente de resolução de demandas repetitivas e no julgamento de recursos repetitivos; pelas súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça e, por fim, pelas orientações jurisprudenciais dos tribunais locais. A despeito do amplo tratamento dado aos métodos de formação dos precedentes judiciais no art. 927, é sabido que a legitimidade desse sistema depende, de um lado, da participação dos interessados na construção dos precedentes judiciais (CATHARINA, 2015) e, de outro, de instrumentos que garantam o pleno controle na aplicação dos precedentes aos casos concretos. Para possibilitar a participação dos interessados na formação dos precedentes judiciais, o código estendeu a atuação do amicus curiae, conforme dispõe o art. 138, como também aumentou as hipóteses de realização de audiência pública no julgamento dos recursos excepcionais, conforme disposto no art. 1.038, II. Entretanto, para assegurar o controle na aplicação do sistema de precedentes judiciais, a Lei nº 13.256/2015 atribuiu ao recurso de agravo interno a função de instrumento próprio para impugnar afetações indevidas nos julgamento de causas repetitivas ou suspensão incorreta no julgamento de repercussão geral. Verifica-se, portanto, que se trata de uma nova dimensão atribuída ao recurso de agravo interno, que vai além do simples controle de decisões judiciais monocráticas. Nessa perspectiva, o recurso se transformou num verdadeiro instrumento democrático de controle dos procedimentos de formação de precedentes judiciais, em especial da metodologia da distinção (distinguish), conforme abordagem abaixo . 2.1.2. Agravo interno no controle da admissibilidade dos recursos excepcionais O art. 1.030, I, do CPC autoriza a inadmissão pelo tribunal local dos recursos excepcionais nas hipóteses em que: a) o recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com precedente judicial exarado pelo STF em sede de repercussão geral; b) quando o recurso excepcional interposto contra acórdão que esteja em conformidade com o precedente do STF e do STJ exarado no julgamento de recursos repetitivos. A regra do art. 1.030, III, trata da decisão que determina o sobrestamento de recurso excepcional que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo, ainda não decidido pelo STF ou pelo STJ. O parágrafo 2º, do art. 1.030 dispõe que, contra as decisões mencionadas acima, será cabível agravo interno. A regra deixa evidente que caberá a parte controlar eventuais equívocos na triagem de ações idênticas pelos tribunais locais. Esse controle é fundamental, pois os tribunais utilizarão critérios objetivos para aplicação das teses fixadas em repercussão geral e julgamento repetitivo. Neste quadro, a Lei nº 13.256/2015, que deu nova redação ao dispositivo em comento, pretendeu resolver dois problemas da prática judiciária. O primeiro concerne à definição de um instrumento próprio para o exercício do controle no julgamento coletivo de recursos que versem sobre questão idêntica. No regime anterior ao estabelecido pelo novo código, a parte que, por equívoco, teve seu recurso inadmitido indevidamente, por entender que in casu não havia repercussão geral, tinha dúvidas sobre o instrumento adequado para impugnar a decisão. Assim, alguns sustentavam o cabimento de mandado de segurança e outros optavam por ação cautelar. Além da dúvida acerca da via eleita para impugnar essa decisão havia outra quanto à competência para o processamento das respectivas ações. A Lei nº 13.256/2015 eliminou essa dúvida definindo que o agravo interno é o instrumento processual de controle e o órgão competente será o próprio tribunal local. Por outro lado, o segundo problema superado pela respectiva lei, que de alguma forma está ligado ao primeiro, foi o congestionamento excessivo dos tribunais superiores provocado por ações autônomas de impugnação contra inadmissão ou retenção indevida de recursos pelos tribunais locais. Visto por esse ângulo, a instituição do agravo interno como forma de controle no procedimento julgamento coletivo de casos idênticos serviu, nesse aspecto, como freio de arrumação neste particular. Na mesma linha de pensamento, os arts. 1.035,§7º e 1.037,§13, foram também reformas pontuais, levadas a efeito pela Lei nº 13.256/2015, com o propósito de consolidar o agravo interno como instrumento de controle pelas partes no âmbito do tribunal local. O art. 1.035,§5º dispõe que reconhecida a repercussão geral todos os processos, individuais e coletivos, que versem sobre a mesma questão, no território nacional, serão suspensos. No entanto, o art. 1.035,§6º, permite à parte interessada requerer ao presidente do tribunal local a exclusão do recurso intempestivo suspenso indevidamente. Contra a decisão do presidente do tribunal local caberá agravo interno nos termos do art. 1035,§7º. O mesmo dispositivo legal dispõe que caberá agravo interno contra decisão do presidente do tribunal local que aplicar entendimento firmado em regime de repercussão ou julgamento de recurso repetitivo. Aqui, a opção do legislador reformador ao instituir o agravo interno como instrumento de controle na aplicação dos precedentes judiciais é evidente. Já a regra do art. 1.037, §13, dispõe claramente sobre o agravo interno como meio de controle na aplicação dos precedentes judiciais, em especial o emprego inadequado do critério de distinção (distinguish). Segundo o art. 1.037, o relator no tribunal superior selecionará os processos representativos da controvérsia, nos casos de causas idênticas, e determinará a suspensão dos processos afetados. A decisão de afetação, por sua vez, suspenderá os processos idênticos que tramitam em todo território nacional. Não raro, alguns processos são suspensos indevidamente, pois o critério para a suspensão será objetivo como nome das partes, objeto do processo entre outros. Nessas hipóteses, o art. 1.037,§9º autoriza a parte interessada a requerer o prosseguimento junto ao tribunal local o processamento do recurso, desde que demonstre a distinção entre o objeto da sua causa e dos recursos selecionados pelo tribunal superior (distinguish). Com efeito, da decisão que resolver o requerimento caberá agravo interno, nos termos do art. 1.037, §13, II, do CPC. Esses dispositivos legais, em boa medida inseridos pela Lei nº 13.256/2015, modificou sensivelmente o perfil do agravo interno que merece maiores análises pela ciência processual. Infere-se, portanto, que a função do agravo interno na processualística contemporânea é ambígua. Em uma dimensão mantém a sua natureza recursal tradicional, ou seja, como forma de impugnar, de forma mais genérica, decisões interlocutórias proferidas na esfera dos tribunais. Em outra dimensão, inaugurada pela Lei nº 13.256/2015, o agravo interno se institui como instrumento processual adequado de controle na aplicação, pelos tribunais locais, do sistema de precedentes judiciais. Esse controle é fundamental para evitar excessos e arbitrariedades na aplicação do sistema de precedentes. Inúmeros cidadãos podem ter suas causas julgadas liminarmente sob o argumento de que se trata de questões idênticas cuja tese jurídica foi assentada em repercussão geral, incidente de resolução de demandas repetitivas ou julgamento de recurso repetitivo. No entanto, não há dúvida de que podem ocorrer equívocos na suspensão de processos, supostamente idênticos, ou mesmo decisões arbitrárias motivadas, retoricamente, com fundamento na celeridade processual e segurança jurídica. Nessas hipóteses poderá a parte se valer do recurso de agravo para demonstrar, de forma estruturada, a distinção. É nesse novo cenário que essa nova dimensão do agravo interno surge como uma forma de garantir participação dos interessados na construção de um sistema de precedente judicial justo, cooperativo e racional. Essa visão será fundamental para que o pleno exercício desse controle não seja entendido como meio protelatório, punindo-se indevidamente, o agravante com os meios coercitivos disponíveis. 3. Conclusão O Código de Processo Civil de 2015 foi instituído após extenso debate pela comunidade jurídica. Trata-se, portanto, de um código elaborado num ambiente democrático, pelo menos em tese, que incorporou propostas de processualistas de diversas tendências e regiões do país. O texto normativo é coerente, apesar de não ser imune a críticas, e apresenta soluções importantes para muitos problemas identificados pela prática judiciária e pela ciência processual ao longo dos anos. Por seu turno, a Lei nº 13.256/2015, por vias oblíquas, promoveu sensíveis mudanças no texto normativo do Código de Processo Civil de 2015 que exige esforço doutrinário para dar coerência e organicidade ao texto numa perspectiva holística. Este texto pretende oferecer uma singela contribuição neste sentido. O texto inicial da Lei nº 13.105/2015 contemplou somente o recurso de agravo interno, nos termos dispostos no art. 1021. Por sua vez, a Lei nº 13.256/2015 revogou incisos e parágrafos do art. 1.042, que trata do agravo em recurso excepcionais, e atribuiu novas dimensões ao agravo interno, transformando-o, também, em instrumento de controle dos procedimentos de aplicação dos precedentes judiciais pelos tribunais locais. Embora seja possível deduzir que um dos objetivos da Lei nº 13.256/2015 foi reduzir o fluxo de recursos nos tribunais superiores, é bem verdade que a expansão do escopo do agravo interno clama por revisões doutrinárias e conceituais para apreensão adequada da sua remodelagem na processualística contemporânea. É nessa perspectiva que propomos estudar o agravo interno não só como recurso específico contra decisões monocráticas lato sensu (art. 1.021), mas também como instrumento de balanceamento, distinção e controle do sistema de precedentes judiciais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. CATHARINA, Alexandre de Castro. Movimentos sociais e a construção dos precedentes judiciais. Curitiba: Juruá, 2015. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil – Tutela dos Direitos mediante procedimento comum. V.2. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2015. MEDINA, José Miguel Garcia. Direito Processual Civil Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2012. THEODORO JUNIOR, Humberto. NUNES, Dierle. BAHIA, Alexandre Melo Franco. PEDRON, Flavio Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

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