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INSTRUMENTALIDADE RECURSAL NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

O Código de Processo Civil de 2015 pretendeu estabelecer uma nova metodologia de solução de conflitos privilegiando a autocomposição, a flexibilização dos procedimentos, a objetivação no julgamento dos recursos e a ampliação dos negócios processuais em nossa cultura jurídica processual. Entretanto, a temática do controle das decisões judiciais mediante recursos e ações autônomas de impugnação, mereceu tratamento cuidadoso pela Lei nº 13.105/2015, o que é digno de análise mais acurada em sede doutrinária. O código sistematizou os meios de impugnação das decisões judiciais no Livro III, possibilitando o aprimoramento normativo de algumas ações autônomas de impugnação e o regramento adequado dos recursos, incorporando boa parte da contribuição doutrinária e jurisprudencial acerca do tema. Neste contexto, a ação rescisória teve seu objeto ampliado para contemplar hipóteses de rescisão de sentença sem resolução de mérito (art.966, §2º), além de possibilitar encaminhamento da ação rescisória ajuizada em órgão jurisdicional incompetente para o juízo competente, após a respectiva emenda da petição pelo autor nos termos do art. 968, §5º do CPC/2015. O código regulamentou, também, a Reclamação em seu art. 988, adequando o procedimento desta ação autônoma de impugnação ao necessário controle da aplicação do sistema de precedentes inserido em nossa processualística. Em sede de recursos as principais mudanças foram pontuais. A eliminação dos embargos infringentes e a exclusão do agravo retido do sistema recursal constituem, em alguma medida, providência necessária para reduzir o número de recursos no processo civil, apontado, por alguns estudiosos, como a causa principal da morosidade sistêmica dos tribunais (Boaventura Santos, 2006). No entanto, a principal mudança metodológica concerne à extensão do princípio do aproveitamento dos atos processuais no âmbito recursal, privilegiando a apreciação do mérito em detrimento do apego ao formalismo excessivo que excluía da apreciação judicial recursos que não se adequavam à forma prescrita em lei. Trata-se, nesse sentido, da ampliação da aplicação do princípio da instrumentalidade nos procedimentos recursais, propiciando a construção, em sede doutrinária, do princípio da instrumentalidade recursal no CPC/2015 . José Miguel Medina (2015) trata da instrumentalidade recursal como uma superação do próprio princípio da fungibilidade recursal, admitindo a correção e o aproveitamento do recurso interposto, conforme disposto no art. 932,§único, do CPC/2015. Com efeito, sustentamos, nessa mesma linha de raciocínio, que a instrumentalidade constitui, em verdade, mais que um princípio alçando a condição de um postulado através do qual a atividade recursal será conduzida. Tal interpretação decorre da ampliação das regras acerca dos aproveitamentos dos atos inerentes à atividade recursal levado a efeito pelo novo Diploma processual. Pretendemos, portanto, nesse artigo, destacar os principais aspectos desse postulado no texto normativo do Código de Processo Civil de 2015 e sua importância para a efetividade do processo . 1. Do aproveitamento do recurso interposto inadequadamente O art. 932, parágrafo único, determina que o relator somente inadmitirá o recurso interposto após a concessão de prazo de 05 (cinco) dias para correção do vício ou complementação da documentação exigível. Tal regra permite ao recorrente corrigir eventuais vícios, viabilizando o julgamento do recurso interposto em desalinho com a forma prescrita no código. Essa regra permite, inclusive, que o agravante, no prazo de 05 dias, complemente as cópias obrigatórias, elencadas no art. 1.017, I, conforme dispõe expressamente o parágrafo 3º do mesmo dispositivo legal. Percebe-se, portanto, que se trata de uma metodologia de solução de conflitos que privilegia o julgamento de mérito do recurso, eliminando do sistema recursal a inadmissibilidade inócua de recursos interpostos inadequadamente, do ponto de vista formal, mas que podem viabilizar a análise da questão de fundo. Em verdade, não se trata de fungibilidade recursal, mas sim da ampliação do princípio da instrumentalidade das formas para o âmbito recursal. Importante destacar que o código não privilegiou o descuido ou despreparo dos operadores do direito na interposição de recursos, ao contrário, deu força normativa ao princípio do acesso à ordem jurídica justa, que tem como corolário garantir não somente o acesso ao sistema de justiça, mas, principalmente, alcançar a decisão de mérito da questão submetida ao Poder Judiciário. Parece-nos ser essa a melhor interpretação do art. 4º do CPC/2015. Neste sentido, trata-se de um postulado voltado para a instrumentalidade recursal que norteia admissibilidade de todos os recursos regidos pelo art. 994 do CPC/2015. Neste contexto, o Código de Processo Civil de 2015 se contrapõe a certa cultura jurídica processual que se acumulou através da edição de diversos precedentes voltados para inadmissão de recursos, denominada pela doutrina como jurisprudência defensiva . 2. Da possibilidade de adequação do preparo O instrumentalismo recursal também se evidencia de forma muito ampla no requisito extrínseco do preparo. O Código de 1973 admitia a complementação do preparo insuficiente no prazo de 05 dias, conforme dispunha o art. 511,§2º. No entanto, a regra somente era aplicada nos casos de insuficiência, sendo declarado deserto os recursos que, por alguma razão, não fora recolhido. A Lei nº 13.105/2015 estabeleceu um regime amplo no sentido de viabilizar a correção de vícios ou insuficiência do preparo optando por evitar a inadmissibilidade de recursos pela ausência desse requisito recursal. O art. 1.007,§ 2º confere prazo de 05 dias para complementação do preparo insuficiente. Neste particular não há inovação em nossa processualística. Entretanto, a inovação decorre da regra do parágrafo 4º do mesmo dispositivo legal, que permite o recolhimento integral do preparo no prazo de 05 dias, nos casos em que não comprovação de seu recolhimento no ato da interposição. Trata-se de regra nova em nossa sistemática que tem como escopo maior alcançar o enfrentamento do mérito recursal como premissa maior da atividade judiciária. O código permite, ainda, ao recorrente sanar vícios decorrentes de preenchimento indevido da guia de custas, conforme dispõe o art. 1.007,§7º, no prazo de 05 dias. Essas regras, interpretadas sistematicamente, nos conduzem à compreensão de que o Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu como eixo transversal a instrumentalidade das formas estabelecendo como regra instransponível o julgamento do mérito dos recursos. O regime do preparo no código revogado permitia que questões jurídicas graves e prementes não fossem apreciadas devido a questões secundárias como recolhimento das custas ou preenchimento indevido das guias. Essa prática judiciária não se coaduna com as garantias constitucionais processuais que foram incorporadas pelo novo código em suas normas fundamentais . 3. Da sistemática dos embargos de declaração Dentre os recursos enumerados em nossa processualística civil os embargos de declaração foram os que mais sofreram alterações. Em verdade, as alterações no regime dos embargos de declaração decorreram da incorporação de conceitos doutrinários e precedentes judiciais sobre a temática, contribuindo para ampliar e aprimorar o escopo desse importante recurso cuja finalidade é corrigir e integrar decisões judiciais. Abordaremos, portanto, alguns aspectos que, em nosso sentir, estão alinhados com o aqui denominado instrumentalismo recursal. O primeiro aspecto diz respeito à conversão dos embargos de declaração em agravo interno nos termos no art. 1.024,§3º do CPC. Em verdade, o recebimento dos embargos de declaração como agravo interno já constitui prática de alguns Tribunais brasileiros em homenagem ao princípio da instrumentalidade, compreendido em seu sentido lato. O código, portanto, tornou essa prática regra geral, mas avançou no sentido de determinar que, nesses casos, o órgão deverá intimar o recorrente para, no prazo de 05 dias, complementar suas razões recursais. A finalidade da regra é impedir que os embargos de declaração sejam admitidos como agravo interno mas no mérito seja negado provimento por insuficiência de fundamentação. A imposição legal é acertada considerando que os embargos de declaração possui fundamentação vinculada, o que impede maiores alegações e fundamentos que não se enquadrem nas hipóteses de cabimento dispostas no art. 1.022. A regra, entretanto, decorre do instrumentalismo recursal que visa possibilitar a apreciação adequada do mérito. O segundo aspecto concerne à dispensa da ratificação do recurso interposto pelo embargado, conforme dispõe o art. 1.024,§§4º e 5º. Destarte, caso haja oposição de embargos de declaração por uma parte e interposição de apelação pela outra o processamento da apelação será interrompido (art. 1.026). No entanto, após o julgamento dos embargos de declaração o apelante está dispensado de ratificar o recurso previamente interposto, o que constitui avanço no que diz respeito à instrumentalidade recursal. A Lei nº13.105/2015, portanto, estabelece, neste particular, procedimentos distintos que são definidos a partir do resultado do julgamento dos embargos de declaração. Se os embargos forem rejeitados, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos será processado independente de ratificação (art. 1.024,§5º). Caso os embargos forem acolhidos e alterarem o conteúdo da decisão, a parte que interpôs apelação será intimada para alterar suas razões recursais no limite da modificação realizada pelo julgador, no prazo de 15 dias (art. 1.024,§4º). Sem dúvida, trata-se de importante avanço no que tange ao aproveitamento dos atos recursais praticados (instrumentalismo recursal). Importante registrar que o Superior Tribunal de Justiça, no período da vacatio legis do CPC/2015, sinalizou (overruling) no sentido da aplicabilidade parcial da Súmula 418, limitando-se a necessidade de ratificação somente nas hipóteses de modificação do julgado. Vale transcrever, a despeito de sua extensão, os fundamentos determinantes do precedente: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DESNECESSIDADE DE RATIFICAÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO NA PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS. Não é necessária a ratificação do recurso interposto na pendência de julgamento de embargos de declaração quando, pelo julgamento dos aclaratórios, não houver modificação do jugado embargado. A Súmula 418 do STJ prevê ser "inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação". A despeito da referida orientação sumular, o reconhecimento da (in)tempestividade do recurso prematuro por ter sido interposto antes da publicação do acórdão recorrido ou antes da decisão definitiva dos embargos de declaração - e que não venha a ser ratificado - foi objeto de entendimentos diversos tanto no âmbito do STJ como do STF, ora se admitindo, ora não se conhecendo do recurso. Ao que parece, diante da notória divergência, considerando-se a interpretação teleológica e a hermenêutica processual, sempre em busca de conferir concretude aos princípios da justiça e do bem comum, mostra-se mais razoável e consentâneo com os ditames atuais o entendimento que busca privilegiar o mérito do recurso, o acesso à justiça (art. 5°, XXXV, da CF), dando prevalência à solução do direito material em litígio, atendendo a melhor dogmática na apreciação dos requisitos de admissibilidade recursais, afastando o formalismo interpretativo para conferir efetividade aos princípios constitucionais responsáveis pelos valores mais caros à sociedade. Nesse contexto, a celeuma surge exatamente quando se impõe ao litigante que interpôs recurso principal, na pendência de julgamento de embargos declaratórios, o ônus da ratificação daquele recurso, mesmo que seja mantida integralmente a decisão que o originou. É que a parte recorrente (recurso principal) não poderá interpor novo recurso, não obstante a reabertura de prazo pelo julgamento dos embargos, uma vez constatada a preclusão consumativa. Em verdade, só parece possível pensar na obrigatoriedade de ratificação - rectius complementação - do recurso prematuramente interposto para que possa também alcançar, por meio de razões adicionais, a parte do acórdão atingida pelos efeitos modificativos e/ou infringentes dos embargos declaratórios. Aliás, trata-se de garantia processual da parte que já recorreu. Deveras, é autorizado ao recorrente que já tenha interposto o recurso principal complementar as razões de seu recurso, caso haja integração ou alteração do julgado objeto de aclaratórios acolhidos, aduzindo novos fundamentos no tocante à parcela da decisão que foi modificada. Porém, ele não poderá apresentar novo recurso nem se valer da faculdade do aditamento se não houver alteração da sentença ou acórdão, porquanto já operada, de outra parte, a preclusão consumativa - o direito de recorrer já foi exercido. Esse entendimento é consentâneo com a jurisprudência do STJ (REsp 950.522-PR, Quarta Turma, DJe 8/2/2010). Assim sendo, não havendo alteração da decisão pelos embargos de declaração, deve haver o processamento normal do recurso (principal), que não poderá mais ser alterado. Esse entendimento é coerente com o fluxo lógico-processual, com a celeridade e com a razoabilidade, além de estar a favor do acesso à justiça e em consonância com o previsto no art. 1.024, § 5º, do novo CPC. Dessarte, seguindo toda essa linha de raciocínio, o STF proclamou, recentemente, posicionamento no sentido de superar a obrigatoriedade de ratificação (RE 680.371 AgR-SP, Primeira Turma, DJe 16/9/2013). Ademais, no tocante aos recursos extraordinários, que exigem o esgotamento de instância (Súmula 281 do STF), não há falar que a interposição de recurso antes do advento do julgamento dos embargos de declaração não seria apta a tal contendo. Isso porque os aclaratórios não constituem requisito para a interposição dos recursos excepcionais, não havendo falar em esgotamento das vias recursais, uma vez que se trata de remédio processual facultativo para corrigir ou esclarecer o provimento jurisdicional. Com efeito, a referida exigência advém do fato de que os recursos extraordinários não podem ser exercidos per saltum, só sendo desafiados por decisão de última ou única instância. Entender de forma diversa seria o mesmo que afirmar que sempre e em qualquer circunstância os litigantes teriam que opor embargos declaratórios contra acórdão suscetível de recurso de natureza extraordinária. Aliás, o efeito interruptivo dos embargos, previsto no art. 538 do CPC, só suporta interpretação benéfica, não podendo importar em prejuízo para os contendores. Portanto, a única interpretação cabível para o enunciado da Súmula 418 do STJ é no sentido de que o ônus da ratificação do recurso interposto na pendência de julgamento de embargos declaratórios apenas existe quando houver modificação do julgado embargado. REsp 1.129.215-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/9/2015, DJe 3/11/2015. No entanto, o avanço interpretativo deste tribunal superior ainda admite a eficácia da referida súmula determinando a ratificação nos casos em que haja modificação do julgado. Parece-nos, numa primeira análise, que a decisão ainda não está em perfeito alinhamento com CPC/2015, considerando que o código determina tão somente o direito da parte de complementar, no prazo de 15 dias, suas razões recursais. Neste sentido, ao se interpretar, contrario sensu, a regra do art. 1.024,§4º, concluímos pela admissão do recurso, mesmo nos casos em que a decisão tenha sofrido modificação e o recorrente não tenho complementado suas razões recursais. Tal interpretação literal, por si só, conduz a conclusão da total ineficácia da Súmula 418, mesmo com a nova interpretação atribuída pelo STJ no julgado acima. O terceiro e último aspecto está relacionado com os embargos de declaração para fins de pré-questionamento. A ausência de pré-questionamento constitui, sem dúvida, uma das maiores causas de inadmissibilidade dos recursos excepcionais. O art. 1.025 do CPC superou esse obstáculo formal ao considerar incluídos no acórdão recorrido os elementos que o embargante suscitou, mesmo nos casos em que os embargos são rejeitados pelo órgão julgador. No entanto, a regra somente será aplicada nos casos em que o tribunal superior considerar como existentes os fundamentos veiculados nos embargos declaratórios. A regra é fundamental para se evitar arbitrariedades no julgamento dos embargos com fins de pré-questionamento que, em alguns casos, são rejeitados sob o fundamento de que não há omissão ou obscuridade inviabilizando o acesso do embargante aos tribunais superiores por ausência de tal requisito. Não há dúvida de que o mencionado dispositivo reduzirá arbitrariedades e terá, como consequência, a redução da incidência de aplicação de multa por embargos protelatórios . Em nosso entendimento, o novo regramento dos embargos de declaração evidencia o postulado do instrumentalismo recursal muito bem dimensionado pelo CPC/2015. Outro dado digno de nota, nesta temática, é a superação da Súmula 320 do Superior Tribunal de Justiça pelo art. 941,§3º. O mencionado dispositivo dispõe que o voto vencido integrará o acórdão, inclusive para fins de pré-questionamento. Assim, mesmo que a questão (constitucional ou federal) tenha sido ventilada somente no voto vencido e os embargos de declaração forem rejeitados o requisito do pré-questionamento estará presente. Trata-se de inovação que pretende superar uma cultura jurídica e judiciária fundada em ampla jurisprudência defensiva. Essas inovações evidenciam a postura metodológica do código assentada no instrumentalismo recursal. 4. Da conversão do recurso extraordinário em recurso especial e vice-versa Os recursos excepcionais foram objeto de diversas inovações no Código de Processo Civil de 2016. A inovação que será abordada nessa reflexão diz respeito à conversão do recurso extraordinário em recurso especial e vice-versa. A instrumentalidade recursal mencionada está disposta nos arts. 1.032 e 1.033. Segundo a norma do art. 1.032, se o relator do recurso especial no Superior Tribunal de Justiça entender que a matéria impugnada versa sobre tema constitucional deverá conceder prazo para que o recorrente demonstre a respectiva repercussão geral (requisito específico do recurso extraordinário) e, após o cumprimento do requisito, o recurso será remetido ao Supremo Tribunal Federal. A regra do art. 1.033 é similar. Caso o relator do recurso extraordinário entender que a violação ao texto constitucional é reflexa, remeterá o recurso para o Superior Tribunal de Justiça que deverá proceder ao julgamento do respectivo recurso. A regra é, em nosso sentir, inovadora e voltada para aproveitamento do recurso excepcional interposto viabilizando o acesso às Cortes superiores, principalmente se considerarmos a objetivação dos recursos especial e extraordinário aprofundada pela Lei nº 13.105/2015. 5. Conclusão O nosso principal objetivo nessas breves linhas foi contribuir para ampliar a reflexão sobre a irradiação do princípio da solução integral do mérito (art.4º) como vetor interpretativo da nova legislação processual, que no âmbito recursal se manifesta através do instrumentalismo recursal. Se o instrumentalismo recursal constituísse a base da nossa cultura jurídica-processual não haveria necessidade de se pautar o debate sobre esse tema. No entanto, o código será aplicado num ambiente jurisdicional onde a primazia do mérito em sede de recurso não informa a prática judiciária atual, o que exigirá um maior controle por parte dos profissionais do direito. Por outro lado, a maior virtude do Código de Processo Civil de 2015 pode, também, ser a sua maior dificuldade no que diz respeito à aplicabilidade. Humberto Theodoro Junior et ali (2015) elogia o ambiente democrático em que o Projeto do novo código foi maturado. Esse fato é digno de nota e de aplausos, considerando que o CPC/1973 foi elaborado em plena ditatura militar. No entanto, a diversidade de visões e posturas doutrinárias, natural em qualquer projeto que se pretende democrático, oriunda da advocacia, da magistratura e da própria academia, estabeleceu uma verdadeira correlação de força que pode ser identificada em diversos dispositivos do código. A própria Lei nº 13.256/2016, que revoga alguns dispositivos do código, constitui evidencia da correlação de força estabelecida. Com efeito, essa tensão se manifestará, também, na aplicabilidade das regras que tratam do instrumentalismo recursal podendo, inclusive, ampliar ou reduzir sua extensão. Registro, por fim, minha convicção de que o Código de Processo Civil de 2015 contribuirá para a consolidação de um novo modo de ser do processo, tornando-o mais democrático, cooperativo, célere, privilegiando, sobre tudo o instrumentalidade recursal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e aplicação das regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil – Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2015. MEDINA, José Miguel Garcia. Direito Processual Civil Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. v. 14. NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2012. SANTOS, Boaventura de Sousa. A sociologia dos tribunais e a democratização da justiça. In Pela Mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2006. p. 141-162. THEODORO JUNIOR, Humberto. NUNES, Dierle. BAHIA, Alexandre Melo Franco. PEDRON, Flavio Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

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