Introdução
As decisões judiciais proferidas pelo
Poder Judiciário são controladas pelos cidadãos através dos recursos
disponíveis em nosso ordenamento processual, através dos quais os Tribunais
reapreciam as decisões proferidas pelos juízes de primeiro grau. Com efeito, os
recursos viabilizam um verdadeiro controle das decisões judiciais pelos
tribunais evitando, desta forma, decisões arbitrárias, ilegais, nulas ou
inconstitucionais.
Neste cotejo, a temática dos recursos
ganha relevo nos estudos processuais, pois constituem meio de democratizar,
pelo menos em tese, a construção da decisão judicial conferindo legitimidade e
confiabilidade às decisões proferidas pelo Poder Judiciário.
No entanto, como cediço, os recursos
somente podem ser manejados pelas partes enquanto a matéria posta em juízo não
transitou em julgado. Após o trânsito em julgado da decisão, eventuais vícios
insanáveis ou transrrecisórios somente podem ser impugnados mediante o manejo
de uma ação autônoma de impugnação.
Diante do quadro apresentado, as formas
de impugnar, e mesmo controlar, uma decisão judicial pode ser definidas, em
nosso ordenamento processual, em recursos (art. 496 do CPC) e ações autônomas
de impugnação, das quais podemos citar a título de exemplo a ação rescisória
(art. 485 do CPC), ação anulatória (art. 486 do CPC) e o Mandado de Segurança
(Lei 12.016/09).
Sistema recursal dos Juizados Especiais Cíveis
A Lei 9.099/95, que dispõe sobre os
Juizados Especiais Cíveis Estaduais, admite a interposição do Recurso Inominado, contra sentenças
definitivas ou terminativas, na forma do art. 41, Embargos de Declaração, nos termos do art. 48, Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, conforme
dispõe a Súmula 640 do mesmo colendo tribunal[1].
O Enunciado 63, do FONAJE retrata este
entendimento, vejamos:
“ENUNCIADO
63 - Contra decisões das Turmas Recursais são cabíveis somente os embargos
declaratórios e o Recurso Extraordinário.”
Não cabem, nos Juizados Especiais
Estaduais, portanto, recurso de agravo de instrumento e o Recurso Especial para
o Superior Tribunal de Justiça[2]. Importante
destacar que vem sendo admitida a interposição de agravo nas turmas recursais
nos casos de decisões monocráticas proferidas pelos relatores no julgamento de
recurso inominado, conforme Enunciados nº 102 e 103 do FONAJE, a saber:
“ENUNCIADO
102 - O relator, nas Turmas Recursais Cíveis, em decisão monocrática, poderá
negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente,
prejudicado ou em desacordo com Súmula ou jurisprudência dominante das Turmas
Recursais ou de Tribunal Superior, cabendo recurso interno para a Turma
Recursal, no prazo de cinco dias.”
“ENUNCIADO
103 - O relator, nas Turmas Recursais Cíveis, em decisão monocrática, poderá
dar provimento a recurso se a decisão estiver em manifesto confronto com Súmula
do Tribunal Superior ou Jurisprudência dominante do próprio Juizado, cabendo
recurso interno para a Turma Recursal, no prazo de cinco dias.”
Desta forma, pode ser dizer que é cabível recurso de agravo nas turmas recursais. No entanto, é inegável que o legislador reduziu as possibilidades de recursos nos juizados especiais cíveis estaduais visando dar plena efetividade ao princípio da celeridade, disposto no art. 2º da Lei 9.099/95.
Ações
Autônomas de Impugnação nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais
A despeito da limitação no sistema
recursal nos juizados especiais estaduais, a prática judiciária vem mostrando
que existem hipóteses, não contempladas pelo legislador, em que determinada
decisão interlocutória pode causar danos de difícil reparação ou irreparável às
partes. Pode, ainda, determinada decisão violar direito líquido e certo do
cidadão ou até mesmo contrariar jurisprudência ou súmulas do Superior Tribunal
de Justiça.
Nestes casos, mesmo considerando o
princípio da celeridade, princípio informativo central dos juizados especiais,
este não deve prevalecer ante ao princípio da inafastabilidade da tutela
jurisdicional e da proporcionalidade, que possuem sede constitucional.
Mandado
de Segurança nos Juizados Especiais Estaduais
Como cediço, não cabe agravo contra
decisão interlocutória nos juizados especiais cíveis estaduais. No entanto, as
decisões interlocutórias proferidas em sede de juizados especiais estaduais não
precluem, podendo ser impugnadas por ocasião da interposição do recurso
inominado. Por exemplo, imagine que o autor requer a intimação de determinada
testemunha, o que é indeferido pelo juiz. Caso o autor tenha seu pedido julgado
improcedente poderá interpor recurso inominado e usar como fundamento seu
prejuízo decorrente da falta de intimação da referida testemunha. Todas as
matérias podem ser alegadas no recurso inominado.
No entanto, existem casos urgentes que
não comportam espera excessiva. Imagine a hipótese de alguém necessitar fazer
uma cirurgia ou necessitar da exclusão de seu nome do SERASA, vez que incluído
indevidamente, para poder ser reintegrado na administração pública. Nestes,
casos o autor não poderá esperar até a decisão final para recorrer. Necessitará
de um provimento urgente.
Diante de tais casos, os advogados
começaram a impetrar Mandado de Segurança visando cassar as decisões com
potenciais de causar danos irreparáveis ou de difícil reparação. A admissão da
mencionada ação constitucional contra decisões interlocutórias nos juizados
especiais não só vem sendo admitidas pelas Turmas Recursais, como recebeu
tratamento pelo Enunciado 62 do FONAJE, vejamos:
“ENUNCIADO
62 - Cabe exclusivamente às Turmas Recursais conhecer e julgar o mandado de
segurança e o habeas corpus impetrados em face de atos judiciais oriundos dos
Juizados Especiais.”
Desta feita, a doutrina e a
jurisprudência em sede de juizados especiais vêm admitindo o manejo do Mandado
de Segurança contra decisões interlocutórias que podem causar danos potenciais.
Em decisão contrária ao espírito da
própria Constituição Federal e ao princípio da inafastabilidade da tutela
jurisdicional, o STF ao julgar o Recurso Extraordinário nº 576.847/09, entendeu
que não cabe Mandado de Segurança em sede de Juizados, segue a ementa do
julgado:
“RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO CIVIL. REPERCUSSÃO GERAÇ RECONHECIDA. MANDADO DE
SEGURANÇA. CABIMENTO. DECISÃO LIMINAR NOS JUIZADOS ESPECIAIS. LEI Nº 9.099/95.
ART. 5º, LV DA CONSTIUTUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA
DEFESA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. Não cabe mandado de segurança das decisões
interlocutórias exradas em processos submetidos ao rito da Lei 9.099/95. A Lei
9.099/95 está voltada à promoção de celeridade no processamento e julgamento de
causas cíveis de complexidade menor. Daí ter consagrado a regra da
irrecorribilidade das decisões interlocutórias, inarredável. Não cabe, nos
casos por ela abrangidos, aplicação subsidiária do Código de Processo Civil,
sob forma do agravo de instrumento, ou o uso do instituto do mandado de
segurança. Não há afronta ao princípio constitucional da ampla defesa (art.5º,
LV da CB), vez que decisões interlocutórias podem ser impugnadas quando da interposição
do recurso inominado. Recurso Extraordinário que se nega provimento. (STF,
Pleno, RE 576.847, rel. Min. Eros Grau, j. 20.5.2009. Repercussão Geral –
Mérito, publicado em 7.8.2009)
Embora bem fundamentado, o mencionado
decisium não deve ser considerado nos casos de tutela de urgência ou de
decisões que violem direito líquidos e certos e que causem danos irreparáveis
ou de difícil reparação. Se admitíssemos tal entendimento como regra, haveria
isto sim, grave ofensa ao princípio da inafastabilidade da tutela
jurisdicional.
Assim, diante de determinada decisão
passível de causar danos irreparáveis ou de difícil reparação será, sempre,
cabível Mandado de Segurança para as Turmas Recursais, conforme atual
construção doutrinária acerca da nova teoria geral do processo.
Reclamação
Constitucional nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais
Conforme dispõe o art. 105, I, “f” da
Constituição Federal de 1988, cabe Ação de Reclamação Constitucional para o
Superior Tribunal de Justiça para preservar a competência do referido tribunal
superior bem como para garantir a autoridade de suas decisões.
Como foi visto, não cabe recurso especial
em sede de juizado especial cível estadual. No entanto, é possível que em
determinada sentença ou acórdão proferido pelo Juizado determinada
jurisprudência dominante ou súmula do STJ possa ser frontalmente contrariada.
Nestes casos, o que pode a parte prejudicada fazer? Poderá propor Ação de
Reclamação diretamente no Superior Tribunal de Justiça sob o fundamento de que
a decisão da Turma Recursal contrariou jurisprudência dominante ou súmula do
STJ, e, desta forma, buscar a cassação da decisão.
Imagine determinada hipótese em que o
autor busca indenização por inclusão indevida de seu nome no SERASA por conta
que já foi devidamente paga. O juiz julga improcedente o pedido. O autor
interpõe recurso inominado e a Turma Recursal mantém a decisão fundamentando,
principalmente, na súmula 385 do STJ[3].
O autor-recorrente opõe embargos de
declaração explicando que não possui nenhuma anotação no cadastro dos
inadimplentes além da negativação indevida e, portanto, a referida súmula não
se aplica ao seu caso. A Turma Recursal rejeita os embargos e perpetua um
julgamento contrário ao direito.
Neste caso, caberá Ação de Reclamação
perante o STJ demonstrando a arbitrariedade da decisão da Turma Recursal bem
como a negação da autoridade do STJ em virtude da não aplicabilidade adequada
da Súmula 385.
Com efeito, a jurisprudência e a doutrina
consolidaram o entendimento no sentido de se impugnar uma decisão contrária
jurisprudência dominante ou súmulas do STJ através da Reclamação, que possui
natureza de ação autônoma de impugnação.
Recentemente o Superior Tribunal de
Justiça proferiu decisão, através da Corte Especial, limitando o âmbito de atuação
da Reclamação em sede de juizados, a saber:
“RECLAMAÇÃO. JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS. REQUISITOS.
A Seção, ao prosseguir o julgamento, deliberou, entre outras questões, limitar a admissibilidade das reclamações que chegam ao STJ contra decisões das turmas recursais dos juizados especiais estaduais àquelas que afrontam julgados em recurso repetitivo (art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ) ou enunciados da Súmula deste Superior Tribunal. Ademais, consignou que a divergência deve referir-se às regras de direito material, não se admitindo a reclamação que discuta regras de direito processual civil, tendo em vista que o processo, nos juizados especiais estaduais, orienta-se pelos critérios da Lei n. 9.099/1995. Outrossim, firmou que não serão conhecidos eventuais agravos regimentais interpostos de decisões monocráticas que não conheceram dessas reclamações. (Rcl 3.812-ES, Rel. originário Min. Sidnei Beneti, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgada em 9/11/2011.)
A Seção, ao prosseguir o julgamento, deliberou, entre outras questões, limitar a admissibilidade das reclamações que chegam ao STJ contra decisões das turmas recursais dos juizados especiais estaduais àquelas que afrontam julgados em recurso repetitivo (art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ) ou enunciados da Súmula deste Superior Tribunal. Ademais, consignou que a divergência deve referir-se às regras de direito material, não se admitindo a reclamação que discuta regras de direito processual civil, tendo em vista que o processo, nos juizados especiais estaduais, orienta-se pelos critérios da Lei n. 9.099/1995. Outrossim, firmou que não serão conhecidos eventuais agravos regimentais interpostos de decisões monocráticas que não conheceram dessas reclamações. (Rcl 3.812-ES, Rel. originário Min. Sidnei Beneti, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgada em 9/11/2011.)
Percebe-se, com nitidez, que a limitação
ao manejo da mencionada ação autônoma de impugnação, tem como escopo limitar a
sua utilização evitando que esta seja um sucedâneo do Recurso Especial em sede
de Juizados.
Na verdade, o STJ fez uma limitação não
muito razoável, excluindo das hipóteses de utilização da Reclamação as questões
processuais. Nada mais absurdo! É muito comum verificarmos absurdos processuais
nos Juizados Especiais e tais absurdos não podem mais chegar ao STJ por conta
da limitação trazida à baila. Apenas para citarmos um exemplo, não cabe ação
rescisória nos Juizados Especiais, embora todas as hipóteses do art. 485 do CPC
possam acontecer tranquilamente em sede de Juizados. Nestes casos, uma sentença
ultra-petita ou uma discussão sobre documento novo violada pela turma não poderá
ser discutida na Reclamação.
Diversas outras questões sobre direito probatório também estão excluídas da incidência da reclamação. Concordo que devemos limitar a incidência de reclamações, mas não excluir os temas de direito processual. A própria limitação à contrariedade as súmulas e recursos repetitivos, por si só, já alcançam o condão de limitar o manejo da mencionada ação constitucional. Tal decisão, a meu ver, viola frontalmente o princípio do amplo acesso à justiça e do devido processo legal
Diversas outras questões sobre direito probatório também estão excluídas da incidência da reclamação. Concordo que devemos limitar a incidência de reclamações, mas não excluir os temas de direito processual. A própria limitação à contrariedade as súmulas e recursos repetitivos, por si só, já alcançam o condão de limitar o manejo da mencionada ação constitucional. Tal decisão, a meu ver, viola frontalmente o princípio do amplo acesso à justiça e do devido processo legal
Ação
Rescisória nos Juizados Especiais
O art. 59 da Lei 9.099/95 dispõe sobre a
impossibilidade do manejo da ação rescisória em sede de juizado especial. No
entanto, não conseguimos vislumbrar razoabilidade na referida regra.
Não há dúvidas de que os vícios elencados
no art. 485 do Código de Processo Civil podem ocorrer, sem nenhuma dificuldade,
nos juizados especiais. Desta forma, não podemos conceber, numa interpretação
sistemática do ordenamento processual, que o CPC enumera vícios que não são
sanados pela coisa julgada, ante a sua gravidade, e permite que estes mesmos
vícios (incompetência absoluta, impedimento, dolo, prova falsa etc.) sejam
perpetuados nos juizados especiais sem possibilidade de argüição.
Entendo, com supedâneo na doutrina de
Alexandre Câmara, que os vícios passíveis argüição através de ação rescisória,
elencados no art. 485 do CPC, quando incidirem em sede de juizados será
passível de argüição através da ação de nulidade (Querela Nulitatis). Segundo o
mencionado autor “Em outras palavras,
deve-se considerar cabível a querella nullitatis, no microssistema dos Juizados
Especiais Cíveis, em todos os casos em que a sentença de mérito, transitada em
julgado, tenha sido proferida com violação de norma constitucional ou em qualquer
caso previsto no art. 485 do CPC.” (Juizados Especiais Cíveis Estaduais,
Federais e da Fazenda Pública, pág. 154. Editora Lumen Juris, 6ª edição, 2010.)
O fundamento jurídico, para propositura
da ação de nulidade, tem como base o próprio princípio da Inafastabilidade da
Tutela Jurisdicional, que permite a declaração de nulidade de sentença por
vícios considerados rescisórios pelo Código de Processo Civil, a despeito do
não cabimento de ação rescisória em sede de juizados especiais.
No que tange à competência, sustentamos
que embora não haja previsão quanto à competência para a Querella Nullitatis, entendo que a competência para apreciação da
mencionada ação autônoma de impugnação será da turma recursal, pois conforme
dispõe o art. 463 do CPC, aplicado subsidiariamente, uma vez proferida
sentença, ainda que viciada, o juiz não poderá alterá-la, cabendo à Turma
Recursal, que possui competência originária (Mandado de Segurança) e recursal
(Recurso Inominado) para controlar e rever decisões proferidas pelo primeiro
grau dos Juizados Especiais Cíveis.
Conclusão
Embora o sistema recursal dos juizados
especiais cíveis estaduais seja limitado, como se demonstrou acima, a doutrina
e a jurisprudência vêm aprimorando este microssistema processual com o escopo
de viabilizar o manejo de ações autônomas de impugnação visando garantir uma
melhor uniformização do direito infraconstitucional, através da Reclamação, bem
como ajustar suas decisões ao Estado Constitucional, no sentido exposto por
Marinoni, eliminando do microssistema decisões contrárias às garantias
constitucionais através da ação de nulidade (querella nullitatis) e do Mandado
de Segurança.
Busca-se, através deste texto, estimular
o operador do direito a contribuir para o aprimoramento dos juizados especiais
cíveis estaduais para que estes funcionem mais próximo do Estado Democrático de
Direito, proferindo decisões que, de fato, contribua para o aprimoramento de
nossas instituições jurídicas.
[1] Súmula 640 do STF: “É
cabível recurso extraordinário contra
decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma
recursal de juizado especial cível e criminal.”
[2] Conforme dispõe o art.
105, III, da CF/88, somente cabe Recurso Especial contra decisões proferidas
por Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federal. Com efeito,
considerando que as Turmas Recursais não são tribunais o manejo do Recurso
Especial está vedado nos Juizados Especiais Estaduais.
[3] Súmula 385: “Da anotação
irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por danos
moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao
cancelamento.”
Realmente o artigo 59° da lei 9.099/95 é uma afronta ao direito do contraditório e da ampla defesa. Esse artigo retroage a desastrosa fase ditatorial do século passado. Haja vista que na ditadura, foi retirado o direito ao habeas corpus. O artigo 59° da lei dos JEC's assemelhasse a isso. Cabe a sociedade civil pedir ao Congresso Nacional a revogação ou alteração desse artigo ou continuará a sofrer a parte mais fraca no processo, ou seja, a população de baixa renda.
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