Pular para o conteúdo principal

Aspectos Polêmicos da Execução Civil

            A execução civil é um dos temas mais importante do direito processual civil pois corresponde à própria satisfação do crédito do executado, influindo diretamente na vida do jurisdicionado alterando a sua realidade fática, seja ampliando seu patrimônio, com pagamento de quantia certa, seja através da realização de um fazer, não fazer ou entrega de coisa.

No entanto, o tema central do debate diz respeito à efetividade da própria execução civil no sentido de evitar a descrença mesmo na autoridade do Poder Judiciário ante a ineficácia dos provimentos jurisdicionais. A frase “ganhou mais não levou” perpassou a vida de milhares de brasileiros que não conseguiram satisfazer seus créditos ante a ineficácia do processo de execução.

A reforma da execução civil, levada a efeito principalmente pelas Leis 11.232/05 e 11.382/06, teve como escopo maior garantir mais efetividade aos atos executivos, tornando o processo de execução mais célere e com mais resultados práticos.

A maior e mais importante mudança foi a eliminação do processo de execução como processo autônomo. Com a reforma, a execução passou a ser uma mera fase do processo de conhecimento. Antes da reforma o autor ingressava com uma ação de conhecimento e após a sentença favorável ingressava com uma nova ação de execução.

O duplo procedimento era formalista e atentava contra a própria dignidade da jurisdição pois tornava a execução demorada e sem resultados. A Lei 11.232/05 alterou sensivelmente o procedimento ao estabelecer o processo sincrético. A reforma estabeleceu um procedimento único como uma fase cognitiva e outra executiva.

            Como se depreende da leitura do art. 475-J do Código de Processo Civil, nos casos de execução por quantia certa, uma vez proferida sentença e verificado o trânsito em julgado, o devedor terá 15 dias para efetuar o pagamento de crédito autoral. Caso o pagamento não seja feito voluntariamente, o exeqüente requererá ao juiz o cumprimento de sentença com a inclusão da multa de 10%, fixada ope legis.

Percebe-se, com certa clareza, que o foco da reforma foi tornar a execução de quantia certa mais célere e efetiva possibilitando uma rápida satisfação do crédito do exeqüente.

Neste cotejo, a chave de interpretação dos dispositivos processuais sobre a execução deve ser a busca permanente da efetividade da jurisdição no sentido da satisfazer o crédito do exeqüente observando a regra do art.620 do Código de Processo Civil, que impede que a execução seja feita pelo modo mais gravoso para o executado.

Ao nosso sentir, algumas polêmicas sobre a nova execução decorrem da utilização de uma chave interpretativa equivocada. Não devemos interpretar as novas regras como base no sistema processual antigo que estas mesmas regras visam superar.

Passemos, pois, a discussão de algumas polêmicas da execução civil:

Execução por quantia certa – Art. 475- J

a) O art. 475-J do Código de Processual Civil é um dos dispositivos que mais traz polêmica em sua interpretação. Uma das polêmicas acerca do referido artigo diz respeito ao momento em que a multa passa a incidir.

 Alguns julgados entendem que a multa já incide transcorridos 15 dias após a publicação da sentença. Outros julgados entendem que a multa incide somente após o decurso do prazo de 15 dias após a intimação do executado para cumprir a decisão e outros entendem que a multa incide após o transito em julgado. A polêmica é grande e é muito comum vermos num mesmo tribunal, Câmaras Cíveis com entendimento conflitantes.

           O Superior Tribunal de Justiça ainda não sumulou a matéria mas fixou seu entendimento no sentido de que a multa incide no exato momento em que ocorre o trânsito em julgado, conforme Informativo nº 460 do Tribunal.

b)Impenhorabilidade dos bens de família.

Outro ponto que sempre é objeto de muito polêmica diz respeito à impenhorabilidade dos bens de família. A Lei 8.009/90 dispõe sobre a impenhorabilidade dos bens de família mas o alcance desta lei vem sendo definida pelo Superior Tribunal de Justiça em decisões recentes. No entanto a polêmica ainda persiste nos tribunais estaduais.

No que diz respeito ao conceito de bem de família, o Superior Tribunal de Justiça vem ampliando sua interpretação para tornar impenhorável imóveis em que reside o irmão do dono, único imóvel alugado e impenhorabilidade do imóvel onde reside a mãe e irmã do devedor (REsp 1095.611). Em decisão relativamente recente o referido tribunal estendeu a aplicação da Lei 8.009/90 às pessoas jurídicas, quando se está diante de uma pequena empresa familiar, no sentido de proteger o imóvel e os bens móveis e máquinas essenciais para atividade profissional (Resp 621399, Relator Ministro Luiz Fux)

Ainda não esteira da interpretação teleológica da impenhorabilidade do bem de família, o Superior Tribunal de Justiça também tem entendido que a garagem de um imóvel de família, por ser unidade autônoma, pode ser objeto de penhora. O imóvel, bem de família, vazio, poder ser penhorado (Resp. 10055465), bem como o imóvel misto, ou seja, imóvel que a parte de baixo funciona a empresa e a parte de cima reside a família, a parte referente à empresa pode ser  penhorado sem nenhum impedimento legal (REsp. 968.907).

Por fim, vem sendo admito pelo Superior Tribunal de Justiça a penhora de bens móveis que integram imóvel considerado bens de famílias. Neste ponto a controvérsia está mais fortemente estabelecida dentro do próprio STJ tendo alguns julgados favoráveis à impenhorabilidade dos bens móveis sob o fundamento de que estes estão acobertados pela Lei. 8009/90.

C) Penhoras on line (Virtualização dos atos executivos)

Outro ponto que geral certa polêmica diz respeito à penhora on line, que vem sendo utilizado pelos tribunais nacionais. O art.655-A do CPC dispõe sobre a possibilidade de bloqueio on line de quantia depositadas em contas bancárias. Em verdade o referido artigo apenas positivou algo que já era corrente na praxe forense.

No entanto, alguns defendem que a penhora on line viola o art. 620 do CPC pois constitui meio mais gravoso para o executado. Tal argumento não se sustenta pois o próprio Código privilegia penhora em dinheiro, conforme art. 655 do CPC.

Penhora on line em contas conjuntas

O Superior Tribunal de Justiça vem admitindo a penhora on line em contas conjuntas sob o argumento de que quando o casal abre uma conta estão, voluntariamente, assumindo a condição de devedores solidários. Tal entendimento foi articulado no seguinte aresto:

PENHORA ONLINE. CONTA-CORRENTE CONJUNTA.

A Turma entendeu que é possível a penhora online do saldo total de conta-corrente conjunta para garantir a execução fiscal, ainda que apenas um dos correntistas seja o responsável pelo pagamento do tributo. Salientou-se que os titulares da conta são credores solidários dos valores nela depositados, solidariedade estabelecida pela própria vontade deles no momento em que optam por essa modalidade de depósito. Com essas considerações, negou-se provimento ao recurso especial do ex-marido da devedora, com quem ela mantinha a conta-corrente. Precedente citado do TST: AIRR 229140-84.2008.5.02.0018, DJe 3/2/2011. REsp 1.229.329-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 17/3/2011.

A decisão acima mencionada, ao meu ver, não deve ser aplicada de forma impensada sem levar em consideração as peculiaridades do caso concreto. Acredito que a penhora de conta conjunta deve ser efetivada quando o cônjuge, que não é devedor, tenha se beneficiado com a aquisição do bem que originou a dívida, caso contrário estar-se-á agredindo bens de quem não tem responsabilidade.

Mas essa temática, ao meu ver, tomará contornos mais claro com melhor sedimentação da própria jurisprudência do STJ.


Penhora de conta salário

          A penhora da conta corrente com natureza salarial é um dos temas de maior polêmica nos tribunais. O art. 649, IV, do Código de Processo Civil dispõe sobre a impenhorabilidade absoluta do salários e vencimentos.

No entanto, a possibilidade da utilização de 30% do salário para pagamento de débitos, que vem sendo implementado por parte da jurisprudência dos tribunais, inclusive do STJ, tendo como parâmetro o próprio pagamento de empréstimos, consignados em conta ou cartão de crédito descontados diretamente na conta, o que autoriza a retenção do mesmo percentual para pagamento das demais dívidas.

Com efeito, os tribunais vem relativizando a impenhorabilidade do salário disposto no art. 649, IV, do CPC, a saber:

 

0015731-51.2011.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO

DES. MARILIA DE CASTRO NEVES - Julgamento: 18/05/2011 - VIGESIMA CAMARA CIVEL

Agravo Interno no Agravo de Instrumento alvejando Decisão proferida pelo Relator que negou seguimento ao recurso. Agravo de Instrumento. Ação Monitória. Penhora on line decretada sobre valores oriundos de conta salário da Executada, incidindo sobre quantia considerável de seus ganhos. Impossibilidade. Decisão que limitou os descontos a 30% dos ganhos da Agravada. Manutenção da decisão recorrida. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal. Decisão desprovida de ilegalidade, abuso ou desvio de poder, prolatada dentro da competência do relator, não passível, na hipótese, de modificação.


0064583-43.2010.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO

1ª Ementa

DES. GUARACI DE CAMPOS VIANNA - Julgamento: 12/05/2011 - DECIMA NONA CAMARA CIVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO. IRRESIGNAÇÃO EM RELAÇÃO À DECISÃO QUE INDEFERIU DEVOLUÇÃO DOS VALORES PENHORADOS SOBRE SALÁRIOS. IMPENHORABILIDADE DE RENDIMENTOS (ART. 649, IV, DO CPC) QUE NÃO MAIS SE REVESTE DE CARÁTER ABSOLUTO, SENDO POSSÍVEL A CONSTRIÇÃO DESDE QUE RESPEITADO O LIMITE DE 30%. PRECEDENTES DESTE TJERJ. 1. Note-se que a penhora da totalidade ou, como no presente caso, quase totalidade do salário líquido, eventualmente importaria em medida abusiva, sendo certo que deve ser rechaçada, pois o desconto do valor total existente na conta salário viola o princípio da dignidade da pessoa humana, o que não se admite. 2. Decisão concessiva em sede liminar que se substitui no sentido de dar parcial provimento ao recurso, nos termos do artigo 557, §1-A do CPC, para que a constrição se restrinja ao limite de 30% do salário do agravante.


d)multa nas obrigações de fazer e de entrega de coisa.

Nas execuções de sentenças que condenam em obrigação de fazer e entrega de coisa o juiz está autorizado pelo art. 461 do Código de Processo Civil a aplicar multa, de natureza coercitiva, com vistas a forçar o cumprimento da obrigação.

No entanto, ocorre que em alguns casos a inércia do devedor provoca um aumento excessivo do valor correspondente aos astreintes, o que pode configurar, para alguns doutrinadores e julgados, enriquecimento sem causa do credor.

A polêmica reside exatamente neste ponto. A multa exorbitante, decorrente da inércia do devedor, deve ser reduzida quando superar o valor do bem discutido em juízo? Entendemos definitivamente que não. A polêmica ainda é muito forte no Superior Tribunal de Justiça que ainda não se posicionou de forma uniforme sobre o tema.

No Resp 947.466, julgado em 2009, mas que ainda baliza o entendimento na 4ª Turma, o STJ entendeu que é possível a redução da multa fixada fora dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade.

           No mesmo STJ, a 3ª Turma, ao julgar o AgRg no REsp 1.026.191, julgado em 03 de novembro de 2009, entendeu que a multa não deve ser reduzida pois decorre do comportamento desarrazoado do devedor.

Desta feita, a polêmica ainda persiste em nossos tribunais e deve ser resolvida em cada caso concreto.

Conclusão

A nossa proposta foi discutir, ainda que brevemente, algumas das polêmicas da nova execução. Conforme dito anteriormente, muitas destas polêmicas decorrem da chave de interpretação utilizado pelo exegeta.

Ao interpretarmos os institutos da nova execução devemos ter como método ou chave de interpretação a efetividade do processo e a dignidade da justiça, vetores que ensejaram as reformas que alteraram a execução.

Caso contrário, correremos o risco de mudarmos radicalmente a legislação para manter tudo exatamente como estava, conforme célebre lição extraída de Gustave Flaubert em seu livro Madame Bovary.

É o que pensamos!

 

 

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Impossibilidade de aditar a contestação eletrônica em sede de Juizados Especiais Cíveis Estaduais

Em determinada audiência de instrução de julgamento realizada em sede de juizado especial cível, em que tive a oportunidade de atuar como advogado do autor, a representante legal da empresa ré requereu à juíza leiga emenda à contestação para ampliar os argumentos da defesa. Diante da manifestação inusitada, e para mim contrária ao princípio da eventualidade (art. 302 do CPC), me manifestei no sentido da impossibilidade de complementação da contestação, em audiência, em sede de juizados especiais cíveis que tenham processamento eletrônico, considerando que a defesa já foi devidamente apresentada em momento anterior à própria audiência. A insistência da advogada e o silêncio da juíza leiga me motivaram a registar aqui a minha posição sobre o tema, que ainda não teve o devido tratamento na doutrina processual civil. Penso que o processamento eletrônico, inaugurado pela Lei. 11.419/06 impôs séria reflexão sobre institutos processuais consolidados a partir da experiência cotidiana do proce...

Notas sobre audiência de conciliação/mediação

Um processo judicial, em regra, tem como principal característica um conflito de interesses. Por esse motivo, alguns autores conceituavam o processo como uma guerra institucionalizada onde vence a parte que melhor utilizou das “armas” processuais. Essa percepção do processo, como uma estratégia processual, contribuiu para a formação de profissionais do direito voltados mais para o litígio do que para a solução consensual do litígio. Na década de 1980, autores como Mauro Cappelletti deram especial ênfase aos denominados meios alternativos de solução de conflitos, buscando uma justiça coexistencial onde as alternativas de superação da lide são propostas pelas próprias partes e não por um terceiro equidistante. De fato, alguns conflitos não são resolvidos por uma sentença judicial. Imagine a hipótese em que um casal que ainda se ama por algum mal-entendido pretende se divorciar. Neste caso, independente do que o juiz decida num litigio sobre divórcio, o conflito social ainda permanecerá...

ADPF nº 976 E O ACESSO À JUSTIÇA DAS COLETIVIDADES

A decisão proferida na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 976 em 25/07/2023, que trata do Estado de coisas inconstitucional relativa às condições desumanas vivenciadas pelas pessoas em situação de rua, foi um importante passo em relação ao acesso à justiça das coletividades e dos grupos sociais invisibilizados. A medida cautelar concedida proíbe a remoção forçada das pessoas em situação de rua pelos estados, como também impõe medidas para assegurar a dignidade, como prévio aviso sobre mudanças climáticas. A ação foi proposta pela Rede Sustentabilidade, Partido Socialismo e Liberdade e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e conta com a cooperação de diversas entidades da sociedade civil organizada. A instauração do procedimento foi democratizado com a realização de audiência pública em 2022. Trata-se de um problema estrutural que aprofunda as desigualdades no Brasil e demanda uma solução estrutural precedida de um processo decisório amplo e democrático. É, sem dúv...