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Algumas notas sobre o procedimento da Fase executiva ou Cumprimento de sentença – Art. 475-J do CPC (Lei 11.232/05)


1 – Introdução

O processo de execução passou por diversas transformações nos últimos anos ensejando, por assim dizer, uma nova execução. A principal característica da nova execução, sobretudo no que diz respeito aos títulos executivos judiciais, é criação do processo sincrético onde a execução passa a ser apenas uma fase do processo e não mais um processo autônomo.

Esta mudança tem reflexos importantes na prática da fase executiva pois a execução é um mero desdobramento da fase de conhecimento. A fase executiva inicia-se com o cumprimento de sentença conforme dispõe o art. 475-J do Código de Processo Civil e desenvolve-se como continuidade da fase de conhecimento. É importante dizer que a execução de títulos executivos extrajudiciais permanece como um processo autônomo, pois a certeza, liquidez e exigibilidade já estão presentes no título, o que dispensa um processo de conhecimento onde as partes debateram exaustivamente.

O objeto do presente artigo é a execução de título judicial que doravante será denominada de cumprimento de sentença.

2 – Cumprimento de sentença -  Considerações introdutórias

O cumprimento de sentença, como visto, constitui numa fase do processo sincrético através da qual serão realizados atos materiais para a satisfação do crédito do exeqüente. No entanto, esta sistemática comporta algumas exceções. Existem alguns títulos que são considerados judiciais pelo art. 475-N do CPC mas que serão executados através de um processo autônomo de execução como a sentença penal condenatória (art. 475-N, II); a Sentença Arbitral (art. 475-N, IV); a Sentença Estrangeira (art. 475-N, VI) e a execução de título judicial em face da Fazenda Pública (art. 730).

Nestes casos a execução far-se-á através de um processo autônomo pois o órgão judicial que vai promover a execução do título não conheceu da matéria em primeiro grau de jurisdição. Por tal motivo o processo será autônomo o que permite um alargamento das matérias que serão objeto da defesa do executado e uma cognição mais ampla do órgão julgador.

Uma segunda consideração introdutória se faz necessária. O cumprimento de sentença que condenam o executado a realizar uma obrigação de fazer ou entrega de coisa será feita pelo art. 461 e 461-A do CPC, conforme dispõe o art. 475-I. Nestes casos o cumprimento de sentença não se fará pelo procedimento do art. 475-J e sim pela sistemática dos artigos mencionados acima.

Após estas breves considerações resta claro que somente se aplica o procedimento do art. 475-J  nas execuções de quantia certa, ou seja quando o devedor tem que pagar quantia em dinheiro.

3 - Cumprimento de sentença – Instauração do procedimento

Aspectos polêmicos

Conforme se depreende do art. 475-J do CPC, uma vez que a obrigação de pagar não foi cumprida voluntariamente pelo devedor surge a possibilidade de se instaurar o procedimento de cumprimento de sentença. Segundo o mencionado artigo, se o devedor não pagar no prazo de quinze dias, será aplicada a multa de 10% e a fase executiva tem seu início.

A primeira polêmica concerne sobre o próprio início do procedimento de cumprimento de sentença. Com o estabelecimento do processo sincrético, em que a execução de sentença judicial é um mero desdobramento da fase de conhecimento, alguns autores entendem que não há necessidade do exeqüente promover a execução. Entende este segmento da doutrina que o próprio juiz pode instaurar o procedimento de cumprimento de sentença. Esta corrente tem como um de seus defensores Fredie Didier Jr.[1]

O entendimento majoritário, capitaneado por Humberto Theodoro Jr., sustenta que o próprio art. 475-J, § 5° é claro ao dizer que se o credor  não requerer a execução no prazo de seis meses o juiz mandará arquivar os autos.

Assim, na prática, dúvida parece não haver que o exeqüente deva promover, através de simples petição com os cálculos atualizados, o cumprimento de sentença.

A segunda polêmica versa sobre o momento em que o prazo de 15 dias para o cumprimento voluntário da obrigação de inicia. Inicia-se com a publicação da sentença ou tão somente com o trânsito em julgado?

Segundo Humberto Theodoro Jr, o momento em que se inicia-se o prazo para cumprimento voluntário com o trânsito em julgado, ou seja quando a execução for definitiva. Para este autor o prazo para cumprimento não se inicia antes do trânsito em julgado.

José Miguel Medina[2] diferencia momento da incidência de momento da cobrança. Para este autor transcorrido o prazo de 15 dias, independente de recurso, o multa já incide. No entanto, a cobrança somente pode ser levada a efeito no momento da execução forçada.

Marinoni, por sua vez, entende que a multa incide após o decurso do prazo, salvo nas hipóteses em que o recurso tem efeito suspensivo.

O Superior Tribunal de Justiça, através de sua Corte Especial, ao julgar o Resp 1.059.478-RS, julgado em 15/12/10, sob a relatoria do Ministro Aldir Passarinho, consolidou o entendimento de que a multa não incide na execução provisória, sedimentando a posição de que a multa tem lugar somente após o trânsito em julgado. A ratio decidendi do julgado foi assim resumida:

“na execução provisória, a parte ainda está exercendo seu direito constitucional de recorrer, então, não seria o momento compatível para a exigência de multa incidental, pois não se poderia punir a parte enquanto no gozo de seu direito constitucional de apelar.”

Com efeito, resta evidente que a posição do STJ sobre o momento de incidência da multa será após o trânsito em julgado, possibilitando orientação clara para os tribunais estaduais.

A terceira polêmica criada pelo art. 475-J diz respeito a forma através da qual o devedor será intimado para pagar em 15 dias. Será através de intimação pessoal ou através de seus advogado?

A doutrina e a jurisprudência não são uníssonas neste aspecto.

Alexandre Câmara[3] entende que o prazo de 15 dias deve se iniciar com a intimação do devedor pois é este quem tem que satisfazer a obrigação. Segundo o autor se o art. 475-J nada fala, aplica-se a regra geral que está disposta no art. 240 do CPC. Nesta mesma linha de raciocínio, também defendem a intimação pessoal do devedor José Miguel Medina, em Processo Civil Moderno, Vol. 3, pág. 221.

Destoando deste entendimento, Humberto Theodoro Junior entende que a execução não é um novo processo que enseje nova citação ou intimação pessoal do devedor. Neste sentido, defende o referido autor que a intimação deve ser feita somente através do advogado do devedor vez que o prazo do art. 475-J é efeito legal da sentença e não fruto de assinação particular do juiz, donde inexistir outra intimação que não aquela normal do ato judicial ao advogado da parte condenada a pagar quantia certa.[4]

Luiz Guilherme Marinoni[5] entende, também, que a intimação pode se dar através do patrono do devedor. Tal entendimento está assentado na jurisprudência do STJ que firmou entendimento no sentido de o prazo começar a correr independente de intimação. O Julgado em síntese diz o seguinte:

Não é necessário a intimação pessoal do condenado para que corra o prazo de 15 (quinze dias) para o cumprimento da sentença condenatória ao pagamento da quantia (STJ, 3° Turma, Resp 954.859/RS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 16.08.2007)”

Segundo entendimento do julgado acima, o prazo começa a correr do trânsito em julgado independente de intimação.

Fredie Didier Jr comunga, também, do entendimento de que a intimação deve ser feita através do patrono do devedor, conforme sustenta em seu Curso de Direito Processual Civil, Vol. 5, pág 518.

No entanto, em posicionamento recente, fixado no julgamento de Recurso Especial Repetitivo nº 1.262.933, publicado no DJe do dia 20/08/13, a Corte Especial do STJ, mudou a orientação anterior no sentido de que a intimação deve ser feita na pessoa do advogado cuja Ementa possui o seguinte teor:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVERSIA. ART. 543-C DO CPC. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. TÍTULO JUDICIAL. MULTA DO ARTIGO 475-J DO CPC. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO APENAS NA PESSOA DO ADVOGADO DO DEVEDOR, MEDIANTE PUBLICAÇÃO NA IMPRENSA OFICIAL.”

Com efeito, a referida polêmica foi dissolvida pela Corte Especial do STJ.

A quarta polêmica refere-se ao pagamento de honorários advocatícios na fase executiva. Autores como Cândido Rangel Dinamarco e Alexandre Câmara defendem a fixação de honorários na fase executiva. Embora este entendimento , esteja se consolidando, há vozes dissonantes no sentido de entender que não é cabível honorários na fase executiva.

Importante registrar que o art. 20, §4°, do CPC é claro ao dizer que na execução será cobrado honorários. É razoável entender que embora o cumprimento de sentença constitua-se em uma nova fase do processo esta não seria necessária se o devedor satisfizesse a dívida no prazo fixado.

4 – Possíveis atitudes do executado

Após a penhora, que poderá ser de valor depositado em conta, o executado será intimado do auto de penhora e avaliação, conforme dispõe o art. 475-J, 1°, do CPC. A penhora antes da intimação se justifica pois o devedor teve o prazo de 15 dias para satisfazer a obrigação. Não havendo o pagamento voluntário haverá a penhora de bens do executado, para somente depois este ser intimado da mesma.

O executado, após a intimação da penhora, pode realizar alguma atitudes. a) Pagar o débito; b) Efetuar o depósito parcial (art.475-J, §4°) ; c) Impugnar no prazo de 15 dias( art. 475-J, § 1°)  ou d) ficar inerte.

Se pagar o débito o procedimento encerra-se. Se pagar parte do débito a multa incidirá sobre o restante e o procedimento prossegue com a expropriação dos bens do executado para satisfação do crédito. Se impugnar, o procedimento estabelecido nos arts. 475-L e 475-M, ambos do CPC.

5 – Defesa do executado. Modalidades.

O executado pode apresentar defesas contra a execução, seja ela cumprimento de sentença ou processo autônomo de execução. No processo autônomo de execução e a defesa será feita através de Embargos à Execução nos termos do art. 736 e seguintes do CPC.

As defesas apresentadas pelo devedor no processo sincrético devem ser veiculadas na impugnação. Ao contrário dos Embargos à Execução, que possui natureza jurídica de ação autônoma incidental, a impugnação possui natureza de incidente ocorrido na fase executiva do processo sincrético.

Existe, ainda, uma terceira modalidade de defesa do executado denominada de exceção ou objeção de pré-executividade. Trata-se de uma defesa, deduzida a qualquer tempo, quando a matéria a ser alegada é de ordem pública. Não encontra respaldo no ordenamento jurídico-processual brasileiro mas tem fundamento constitucional, sobretudo no princípio do amplo acesso à justiça, art. 5°, XXXV, CF/88.

6 – Impugnação – Matérias que podem ser deduzidas

O art. 475-L do CPC é taxativo ao elencar as matérias que poderão ser veiculadas na impugnação. Buscou o legislador processual evitar que as discussões que foram superadas na fase de conhecimento fossem reanimadas na fase executiva causando prejuízo à efetividade da jurisdição ou servissem de meios protelatórios utilizados pelo devedor.

Pode-se, também, ser matéria de defesa do executado a coisa julgada inconstitucional, conforme dispõe o art. 475-L, §1°, do CPC. A sentença baseada em leis ou atos normativos declarados inconstitucionais ou incompatíveis com a Constituição Federal de 1988 configura inexigibilidade do título o que acarreta a extinção da execução.

Por fim, quando o executado alegar excesso de execução (art. 743-C do CPC), deve dizer, de imediato, o valor que entende correto, sob pena de ser rejeitada a impugnação, conforme se depreende da leitura do art. 475-L, §2°, do CPC.

7 – Procedimento da Impugnação

Após a apresentação da impugnação, a fase executiva terá seu curso normal com a expropriação dos bens do devedor, salvo se este alegar que o prosseguimento da execução pode causar danos de difícil reparação, conforme dispõe o art.475-M do CPC. Nestes casos a execução será suspensa até o julgamento da impugnação. Caso haja interesse do exeqüente em prosseguir na execução após a suspensão, este deve prestar caução nos termos do art. 475-M, §1°, do CPC.

Após a instrução, o juiz resolverá a impugnação. Trata-se de decisão de natureza interlocutória e poderá ser impugnada através do recurso de agravo de instrumento, conforme art. 475-H do CPC. Quando o acolhimento da matéria alegada ocasionar a extinção do processo, o recurso cabível será apelação.

8 – Conclusão

Nosso objetivo com estas breves notas é apenas contribuir para esclarecimento de dúvidas que ocorrem na prática forense e, de alguma forma, estimular discussões teóricas que requerem mais aprofundamento teórico.

Referências Bibliográficas:

Câmara, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil. Vol. II. Ed. Lúmen Júris.

Didier Jr, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol 5. Ed. Podium.

Dinamarco, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. IV. Editora Malheiros.

Marinoni, Luiz Guilherme. Código de Processo Civil Comentado. Editora RT.

Medina, José Miguel Garcia. Processo Civil Moderno. Vol. 3. Editora RT.

Theodoro Junior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol II. Editora Forense.

Wambier, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 2. Editora RT.



[1] In Curso de Direito Processual Civil. Vol. 5, pág. 518.
[2] Curso de Processo Civil Moderno, pág. 218.
[3] Lições de Direito Processual, Vol. II, 16° ed, pág. 307.
[4] Curso de Direito Processual Civil, Vol. II, 42° ed, pág. 54.
[5] Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. Ed. Revista dos Tribunais.

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