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Aplicação do Sistema de Precedentes no Processo Civil Brasileiro: Uma primeira análise


O Projeto 8046/10 da Câmara dos Deputados, que trata do Novo Código de Processo Civil, que tramita sob a relatoria do Deputado Sérgio Barradas, traz inúmeras inovações para o sistema processual brasileiro, adequando o processo brasileiro aos avanços doutrinários e jurisprudências levado a efeito. Desta forma, o Novo Código de Processo Civil somente poderá produzir os resultados esperados se os aplicadores, advogados, juízes e promotores, estiverem sintonizados com os atuais avanços da doutrina.
 
Um dos temas que requer maior preparo dos operadores do direito é a disposição acerca do sistema de precedentes. O NCPC trata, em detalhes, do sistema de precedentes, regularizando, pormenorizadamente, a aplicação deste sistema que visa uniformizar a jurisprudência dos Tribunais, alinhada com o entendimento dos Tribunais Superiores, garantindo maior isonomia e segurança jurídica.
 
Assim, considerando a importância do sistema de precedentes no NCPC e a necessidade de se compreender adequadamente este sistema para melhor aplicação importante se faz discutir exaustivamente a temática à luz do ordenamento processual vigente que incorpora de forma esparsa o sistema de precedentes.
 
2 – Sistema de Precedentes no Novo Código de Processo Civil
 
O Projeto 8046/10, sob a relatoria do Deputado Sérgio Barradas, aprimorou o sistema de Precedentes transferindo do art. 882, para o art. 483, através da sugestão de Luiz Guilherme Marinoni, sendo incluído no Capítulo da Sentença e Coisa Julgada, na seção denominada “Da eficácia do Precedente Judicial”.

Assim, o sistema de Precedentes é tratado pelo Projeto nos arts. 483 e 484, conforme transcrição abaixo:

Art. 483. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável.

Art. 484. Para dar efetividade ao disposto no artigo anterior e aos princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, as disposições seguintes devem ser observadas:

I – na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, os tribunais deverão editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante;

II – os juízes e os tribunais seguirão a súmula vinculante, as decisões proferidas em assunção de competência, em incidente de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

III – os juízes e os tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e dos tribunais aos quais estiverem vinculados, nesta ordem;

IV – não havendo enunciado de súmula da jurisprudência dominante, os juízes e tribunais seguirão os precedentes do plenário do tribunal, ou órgão especial, onde houver, e a dos órgãos fracionários superiores, nesta ordem;

V – a jurisprudência dominante de qualquer tribunal, ainda que não consolidada em súmula, deve orientar as decisões de todos os órgãos jurisdicionais a ele vinculados;

VI – na hipótese de alteração da sua jurisprudência dominante, sumulada ou não, os tribunais devem modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos.

§ 1º. A mudança de entendimento sedimentado, que tenha ou não sido sumulado, observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, confiança e isonomia.

§ 2º. Nas hipóteses dos incisos III, IV e V do caput deste artigo, a mudança de entendimento sedimentado poderá realizar-se incidentalmente, no processo de julgamento de recurso ou de causa de competência originária do tribunal, observado, sempre, o disposto no inciso VI do caput deste artigo.

§ 3º. O efeito previsto nos incisos II, III, IV e V do caput deste artigo decorre dos fundamentos determinantes dos acórdãos adotados pela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado.

§ 4o. Não possuem o efeito previsto nos incisos II, III, IV e V do caput deste artigo:

I – os fundamentos, ainda que presentes no acórdão, que não forem imprescindíveis para que se alcance o resultado fixado em seu dispositivo;

II – os fundamentos, ainda que relevantes e contidos no acórdão, que não tiverem sido adotados pela maioria dos membros do órgão julgador.

§ 5o. O precedente dotado do efeito previsto nos incisos II, III, IV e V do caput deste artigo pode não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, mediante argumentação racional e justificativa convincente, tratar-se de caso particularizado por situação fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.

§ 6o. Os tribunais deverão sistematizar seus precedentes e dar-lhes publicidade, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os preferencialmente por meio da rede mundial de computadores.
 
Com efeito, esta nova sistemática incorpora a lógica dos precedentes judiciais existentes na Inglaterra e EUA e demais países adeptos Common Law, onde os precedentes são editados, aplicados, revistos e cancelados através da ratio decidendi, obter dicta, distiguishing e overruling.
 
Isso demonstra o alto grau de refinamento proposto pelo projeto o que demanda um aprimoramento técnico de todos os operadores do direito como também um corte epistemológica na produção do conhecimento científico no âmbito do processo civil, como também um reforma no ensino jurídico, pois a nossa cultura jurídica foi forjada no sistema Civil Law.

2.1. Ratio decidendi
 
A ratio decidendi, ou as razões de decidir, os fundamentos jurídicos do precedente são fundamentais para aplicação aos demais casos concretos semelhantes ao que gerou o precedente. No NCPC, a disposição acerca da ratio decidendi está no art. 484, §3º, a saber:

“§ 3º. O efeito previsto nos incisos II, III, IV e V do caput deste artigo decorre dos fundamentos determinantes dos acórdãos adotados pela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado”.
 
Os denominados fundamentos determinantes dos precedentes é a base para a identificação do direito aplicado a espécie e o fio condutor para aplicação destes mesmos fundamentos para casos semelhantes. Este análise da ratio decidendi requer uma nova postura do magistrado no Brasil, que é forjado na lógica da subsunção da lei ao caso concreto.

2.2.Obiter dicta

O obiter dicta corresponde aos fatos envolvidos no caso concreto que ensejou o precedente ou os fundamentos jurídicos que não foram determinantes para formação do entendimento do tribunal. O referido método de julgamento encontra-se no art.483§ 4º, a saber:

§ 4o. Não possuem o efeito previsto nos incisos II, III, IV e V do caput deste artigo:

I – os fundamentos, ainda que presentes no acórdão, que não forem imprescindíveis para que se alcance o resultado fixado em seu dispositivo;

II – os fundamentos, ainda que relevantes e contidos no acórdão, que não tiverem sido adotados pela maioria dos membros do órgão julgador.

Desta feita, os fatos, os fundamentos periféricos ou relevantes, mas que não foram adotados pela maioria não integra o precedente e como tal não deve ser invocado como ratio decidendi para justificar a aplicação do precedente judicial.

2.3. Distinguishing
 
O critério da distinção é fundamental para a eficácia do sistema de precedente. Tal método de trabalho visa evitar que o juiz ou tribunal aplique o precedente de forma indistinta, ou seja, sem refletir profundamente se o precedente é aplicável ao caso sub judice. A análise da ratio decidendi, para se verificar se de fato os fundamentos determinantes do precedente pode ser aplicado ao caso concreto.

A utilização do precedente não é somente citar inúmeros julgados, como fazem os operadores do direito em geral, mas sim justificar a aplicação do precedente a partir de seus fundamentos determinantes. No entanto, quando os fundamentos determinantes não se aplicam perfeitamente à hipótese, o magistrado deve afastar sua aplicação a partir do critério de distinção.
O NCPC regula a distinção do precedente no art. 484, § 5º, a saber:

§ 5o. O precedente dotado do efeito previsto nos incisos II, III, IV e V do caput deste artigo pode não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, mediante argumentação racional e justificativa convincente, tratar-se de caso particularizado por situação fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.

A distinção é o método de trabalho fundamental para adequada aplicação dos precedentes no direito processual brasileiro, que foi consolidado na cultura jurídica do Civil Law.

2.4. Overruling
 
O Overruling corresponde à sinalização levada a efeito, tanto por advogados como por juízes, que o precedente não encontra mais amparo no direito brasileiro. Significa o cancelamento ou alteração do precedente.

Podemos citar como exemplo de Overruling o cancelamento da súmula 348 do STJ, que tratava da competência deste tribunal superior para julgamento de conflitos de competência entre um juizado federal e uma vara federal. Este entendimento foi superado pela edição da Súmula 428 do STJ, que define a competência do Tribunal Regional Federal para solução de conflitos de competência entre juizado federal e vara federal. Essa alteração de posicionamento é denominada de Overruling.
 
A sinalização do enfraquecimento ou inaptidão para aplicação está regulada no art. 484, VI, § 1º e 2º, a saber:

VI – na hipótese de alteração da sua jurisprudência dominante, sumulada ou não, os tribunais devem modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos.

§ 1º. A mudança de entendimento sedimentado, que tenha ou não sido sumulado, observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, confiança e isonomia.

§ 2º. Nas hipóteses dos incisos III, IV e V do caput deste artigo, a mudança de entendimento sedimentado poderá realizar-se incidentalmente, no processo de julgamento de recurso ou de causa de competência originária do tribunal, observado, sempre, o disposto no inciso VI do caput deste artigo.

3 - Aplicação do sistema de precedentes no sistema vigente

O objetivo maior desta reflexão é mostrar que o sistema de precedentes não será criado pelo NCPC. O Projeto apenas sistematiza uma mudança paradigmática que vem ocorrendo desde 1998, quando foi publicada a Lei 9.756/98, que alterou a redação do art. 557 do Código de Processo Civil, possibilitando aos relatores julgar recursos através de decisões monocráticas tendo como base súmula ou jurisprudência dominante do próprio Tribunal ou dos Tribunais Superiores.

Esta alteração legislativa iniciou uma mudança paradigmática que foi aprofundada pela Emenda Constitucional 45 de 2004, que criou a Súmula Vinculante para o Supremo Tribunal Federal.

Outro exemplo de aplicação do sistema de precedentes no ordenamento jurídico processual brasileiro diz respeito à decisão nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ou nas Declarações de Constitucionalidade, onde a decisão terá efeito vinculante para o próprio Pode Judiciário como também os órgãos da administração pública, conforme se concluir da leitura do art. 28, § único da Lei 9.868/99.

Destarte, o sistema de precedente já é plenamente utilizado em nosso sistema processual sem que uma discussão mais profunda acerca da sua metodologia de aplicação seja plenamente sedimentada na comunidade jurídica. Neste sentido, pretendemos, ainda que modestamente, levar a efeito um exercício de aplicação desta metodologia visando possibilitar ao operador do direito uma aproximação do sistema de precedentes que já está em vigor na processualística brasileira e será levado às últimas consequências no NCPC.

4 – Aplicação do sistema de precedentes: Um estudo de caso
 
A análise da aplicação de um caso concreto, prática esta que deve ser realizada por todos os operadores do direito, deve ter como base a análise da ratio decidendi, ou seja, os fundamentos determinantes para aplicação dos precedentes bem como a justificação para sua utilização ou não. A Súmula 385 do STJ nos permite uma reflexão interessante. Vamos à análise.

Súmula 385 do STJ: Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.
 
No entanto, esta súmula teve como precedente julgados onde o próprio STJ apresenta a ratio decidendi para se alcançar o entendimento sumulado, conforme fundamentos determinantes apresentados abaixo, extraído do recurso AgRg no REsp 1057337 (2008/0102640-4 - 23/09/2008):

De outro lado, reafirma-se que o entendimento ali exposto aplica-se aos autos, isto é, o entendimento de que "quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido pela inscrição do seu nome como inadimplente em cadastros de proteção ao crédito" (REsp 1.002.985/RS, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ 27.08.2008). Isto porque, no presente caso, a consumidora possui protesto e o respectivo registro que, incluído em 10/04/2003, é anterior aos registros cancelados.

(6) Ademais, o precedente foi publicado em 27.08.2008, confira-se sua ementa:

CONSUMIDOR. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO MORAL INEXISTENTE SE O DEVEDOR JÁ TEM OUTRAS ANOTAÇÕES, REGULARES, COMO MAU PAGADOR. Quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido por mais uma inscrição do nome como inadimplente em cadastros de proteção ao crédito; dano moral, haverá se comprovado que as anotações anteriores foram realizadas sem a prévia notificação do interessado. Recurso especial não conhecido. (Resp 1.002.985/RS, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ 27.08.2008)”.
 
Partindo da análise dos fundamentos determinantes, percebe-se que o precedente visa a impedir que o mau pagador obtenha enriquecimento indevido com a restrição indevida. Mas importa ressaltar que ela não deve ser aplicada quando as diversas restrições decorrem de compra fraudulenta realizada através do furto da documentação do autor, por exemplo.
 
Com efeito, a ratio decidendi do precedente mencionado que engendrou a edição da súmula pode ser identificada neste trecho do julgado:

“Quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido por mais uma inscrição do nome como inadimplente em cadastros de proteção ao crédito.”
 
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em julgamento recente de recurso de apelação aplicou a referida Súmula, concluindo pela sua não aplicação, a saber:


0346559-51.2011.8.19.0001- APELACAO
DES. MARCELO LIMA BUHATEM - Julgamento: 31/10/2012 - QUARTA CAMARA CIVEL
DIREITO DO CONSUMIDOR - OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANO MORAL - NEGATIVAÇÃO INDEVIDA - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DA RELAÇÃO JURÍDICA - PEDIDO DE DANO MORAL PROCEDENTE ¿ NÃO INCIDÊNCIA DO VERBETE 385 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - DUAS ANOTAÇÕES ANTERIORES COM AJUIZAMENTO DE DEMANDAS ANULATÓRIAS - SENTENÇA QUE SE MANTÉM. 1. Demanda contendo pedido de danos morais proposta pela recorrida em face da recorrente, alegando que teve seu nome inscrito pela demandada em cadastro de inadimplentes, por dívida que não reconhece. 2. Sentença de procedência, declarando a inexistência de relação jurídica entre as partes, e julgando procedente o pedido de dano moral, embora comprovada a existência de outras anotações em nome do autor. 3. Apelação da demandada, sustentando a existência de anotações anteriores em desfavor da apelada, o que enseja o mero dissabor na presente espécie. 4. In casu, afigura-se inequívoca a falha na prestação do serviço da parte ré, pela indevida inserção do nome da parte autora nos cadastros restritivos de crédito, que configura a existência do dano de ordem moral alegado. 5. Ademais, da análise dos autos se verifica que o recorrente possui duas anotações restritivas de crédito, sendo certo que são anteriores à restrição que ora é objeto desta ação, datada de 11.10.07. 6. Saliente-se que o questionamento da ilegitimidade destas anotações precedentes foi comprovada, apesar de o fato ter sido arguido oportunamente pelo demandado, com o exercício do regular contraditório pela parte autora, ora recorrente. 7. Pesquisa no sistema processual informatizado desta Corte que demonstra a existência de ações a discutir a legitimidade dos apontamentos anteriores, o que caracteriza o dano moral em razão da indevida inserção do nome do autor-apelante nos cadastros restritivos de crédito. Não aplicação do verbete nº 385 do S.T.J. 8. Dano moral in re ipsa. Fixação do quantum em R$ 1.000,00 (mil reais), ora combatida somente pela ré, que à míngua de recurso autoral deve ser mantida. 9. Quantum fixado que destoa do meu reiterando entendimento acerca da matéria, sendo certo que em hipóteses semelhantes adoto por diretriz valor que supera consideravelmente o aqui alcançado, até em obediência ao caráter pedagógico-punitivo. NEGO SEGUIMENTO AO RECURSO, COM ESPEQUE NO ART. 557, CAPUT, DO CPC.
 
No julgado acima, o Tribunal do Estado do Rio de Janeiro entendeu que a Súmula 385 não era aplicável na espécie, pois as demais restrições estavam sub judice. Já no julgado abaixo, este mesmo tribunal entendeu ser aplicável à súmula, de certa forma coerente com o julgado anterior, vez que não foi demonstrado a existência de ações judiciais discutindo a ilegalidade das restrições, a saber:

0171513-82.2010.8.19.0001- APELACAO

DES. ANA MARIA OLIVEIRA - Julgamento: 30/10/2012 - OITAVA CAMARA CIVEL
Responsabilidade Civil. Ação de indenização por dano moral que o Autor teria sofrido em decorrência de anotação indevida de seu nome em cadastro restritivo de crédito, após a quitação das parcelas do empréstimo contratado com o Réu. Procedência do pedido, confirmando a tutela antecipada que determinara a exclusão do nome do Autor dos cadastros restritivos de crédito, e condenado o Réu a pagar indenização por dano moral de R$ 8.000,00. Apelação do Réu. Apelante não se desincumbiu de demonstrar a legitimidade da inscrição, o que conduziu, com acerto, à sentença que confirmou a tutela concedida, na qual foi determinada a baixa das anotações por ele promovidas em nome do Apelado. Existência de outra inscrição nos cadastros de restrição de crédito, para a qual não foi comprovado o ajuizamento de ação competente, não se vislumbrando nexo de causalidade entre a negativação feita pelo Apelante e o alegado abalo de crédito, impondo-se a aplicação do entendimento consagrado na Súmula 385 do Superior Tribunal de Justiça. Dano moral não configurado. Precedentes do TJ/RJ. Reforma da sentença, que impõe o reconhecimento da sucumbência recíproca, observada quanto ao Apelado a gratuidade de justiça a ele deferida. Provimento parcial da apelação.
 
O que observamos na metodologia de aplicação do precedente levado a efeito pelo TJRJ foi a total ausência da verificação da ratio decidendi do precedente que ensejou a súmula para se verificar sua aplicabilidade ou não. A partir de critérios não muito claros ou justificáveis, no caso a existência ou não de ações judiciais, o Tribunal aplica ou rejeita a aplicação da mencionada súmula.
 
Desta forma, embora seja funcional, não nos parece ser mais adequada aplicação dos precedentes sem prévia discussão acerca dos fundamentos determinantes que ensejaram a formação do precedente judicial. Por outro lado, o sistema de precedentes, para alcançar seu objetivo maior, quais sejam, isonomia, segurança jurídica, duração razoável do processo, prescinde de um sólido conhecimento do sistema de precedentes, como um todo, bem como partir, sempre, da análise da ratio decidendi, sob pena de estar mencionando um precedente ou súmula com razões completamente alheia ou diversa dos fundamentos determinantes que o ensejou.

5 – Conclusão

Concluímos este artigo com uma reflexão sobre as inovações trazidas pelo NCPC acerca do sistema de precedentes judiciais: De nada adiantará alinhar o processo civil com as mais refinadas teorias da decisão judicial, criando um sistema misto entre o Common Law e Civil Law, sem que haja o estabelecimento de uma cultura jurídica que contemple a lógica do precedente.

Existe o sério risco de usarmos o precedente tal como usamos a lei, apenas mencionando o número do julgado ou súmula, descurando da análise de seus elementos essenciais que são os fundamentos determinantes (ratio decidendi). Essa deficiência na aplicação compromete o Distinguishing (Critério da distinção) como também o Overruling (a alteração ou cancelamento do precedente).

Assim, o NCPC requer não só um profundo conhecimento do sistema de precedentes, mas exige, também uma profunda mudança na forma de ser do próprio processo civil brasileiro e de sua cultura jurídica.

 

Comentários

  1. belo texto professor, o mais interessante é que mesmo j com sumulas é comum ver, principalmente no TJRJ, que acha ser um mundo jurídico apartado do reto do Brasil, e mesmo se tratando de decisões dentro decisões que tratam de mesma matéria processual, fática e de direito, com visões completamente diferentes e sem qualquer critério justificador, parabéns pelo retorno ao mundo virtual, grande abraço!

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