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Notas de Aula de Teoria Geral do Processo


O Processo é o ramo do direito público que tem como finalidade maior concretizar direitos. O Estado ao proibir a auto-tutela se vale do processo para solucionar o conflito.

O direito processual veio se desenvolvendo através de fases que retratam o próprio amadurecimento deste ramo do direito enquanto ciência. Em sua primeira fase o direito processual não era considerado um ramo autônomo. Era entendido como um apêndice do direito material.

Era comum a idéia de que a cada direito correspondia uma ação. Não há ação sem o correspondente direito. Está fase é denominada de sincretista ou imanentista. O direito processual está ligado diretamente ao direito material.

A segunda fase do direito processual é conhecida como a fase autonomista. O direito processual foi concebido como um ramo autônomo do direito, com conceitos e institutos próprios. O processualista alemão Oskar Von Bulow foi fundamental para o desenvolvimento desta fase. Percebeu-se que o direito processual era independente do direito material, o que caracteriza a sua autonomia enquanto ramo do direito.

O fato de se ingressar com uma ação em juízo e o pedido do autor, ao final, ser julgado improcedente significa dizer que mesmo sem o direito alegado o autor pôde exercer o seu direito de ação. Com efeito, demonstrou-se, através desta fase, que a ação é um direito subjetivo público de se exigir do Estado a prestação jurisdicional, sendo o processo um meio para se decidir sobre a existência ou não do direito alegado pelas partes.[1]

Esta fase foi importante para o amadurecimento do estudo do direito processual enquanto ramo autônomo do direito.

A fase instrumentalista, considerada a terceira fase do desenvolvimento do direito processual, caracteriza-se não mais pelo esforço em demonstrar a autonomia do direito processual mas, isso sim, pensar e refletir de que forma o direito pode tornar cada vez mais efetivo o direito material. Esta fase encontra-se em franco desenvolvimento e todas as reformas do Código de Processo Civil e das leis processuais do trabalho e do processo penal voltam-se para cada vez mais garantir a plena efetividade do direito material.

Cândido Dinamarco entende que a fase instrumentalista está ligada a idéia de um processo de resultados, ou seja um processo que interfira diretamente na vida das pessoas através da concretização do direito material.

b) Relações do direito processual com outros ramos do direito

O direito processual possui íntima relação com os demais ramos do direito. Relaciona-se com o direito constitucional pois é este que garante princípios fundamentais do processo como o devido processo legal, contraditório, juiz natural entre outros. Ademais, é o próprio direito constitucional que regula o funcionamento do Poder Judiciário em seus arts. 92 e seguintes.

Possui ligação também com o direito administrativo, no que tange aos tratamentos aos serventuários, como também relaciona-se como direito civil em matérias como prova, domicílio, capacidade de parte, defesas da posse entre outros.

Pode-se destacar ainda a relação com o direito internacional, no que tange à cooperação internacional como também a própria homologação de sentença estrangeira, que faz surtir efeitos em território nacional determinada sentença proferida em outro país.

c) Teoria geral do processo. A teoria unitária do direito processual civil, penal e trabalhista.

Como se sabe, o direito processual tem como função solucionar conflitos decorrentes do descumprimento das normas de direito material. A cada vez que uma pessoa, empresa ou própria Fazenda Pública descumpre um preceito, surge a necessidade de um processo judicial que vai obrigar quem descumpriu a norma a agir em consonância com o direito.

Desta forma, todas as esferas da vida que são reguladas pelos diversos ramos do direito, retratadas em normas de direito administrativo, civil, penal ou empresarial, necessitam do processo quando estas mesmas normas não são cumpridas pelos integrantes da sociedade.

Assim, no dizer de Mendes, o direito processual procura, portanto, estabelecer um conjunto de normas voltadas para a regulação da atuação do Estado-Juiz e do desenvolvimento da relação jurídica processual, dispondo sobre o direito de ação e de defesa, bem como sobre os poderes, deveres, faculdades e ônus pertinentes aos sujeitos desta relação processual, além das diversas fases e atos, para que, desse modo, a prestação jurisdicional possa se desenvolver dentro do devido processo legal, de acordo com o que foi estabelecido pelo legislador e se tem naturalmente o conhecimento prévio.[2]

Neste cotejo, torna-se evidente que diante da finalidade do direito processual se faz premente uma teoria geral do processo que trate de temas comuns aos diversos ramos do direito processual. Com efeito, a Jurisdição, a Ação e o Processo, são conceitos fundamentais que perpassam todos os ramos do direito processual.

É evidente que diante das peculiaridades dos diversos ramos do direito processual surja a necessidade de conceitos e institutos específicos, mas não há dúvidas quanto a viabilidade de uma teoria geral do processo. Quem entende desta forma filia-se à teoria unitária do processo.

Esta discussão se faz importante pois o direito processual civil é fonte subsidiária do processo do trabalho e possui institutos que guarda estreira relação com o direito processual do trabalho.

d) Leis processuais e sua natureza. As fontes do direito processual.

As leis processuais são de direito público pois tratam, preponderantemente, do Estado que tem como função maior prestar a tutela jurisdicional. Assim, as normas processuais, por se tratarem, em sua maioria, de normas que regulam a atividade do Estado em sua atividade jurisdicional possuem natureza de direito público.

As leis são as fontes formais do direito processual. Neste particular convés destacar que a competência para legislar sobre direito processual corresponde somente à União, conforme se depreende do art. 22, I, da Constituição Federal de 1988.

A jurisprudência e a doutrina são fontes formais do direito processual. No entanto, a Emenda Constitucional n° 45 de 2004 ao criar a Súmula Vinculante trouxe a discussão sobre a possibilidade de se entender a jurisprudência como fonte formal do direito processual.

e) Leis processuais no tempo e no espaço

No que diz respeito à lei processual no espaço importa salientar que em direito processual vigora o princípio da territorialidade. As leis processuais estão ligadas ao conceito de jurisdição que corresponde à função estatal de solucionar o conflito e garantindo a pacificação social.

A jurisdição está ligada diretamente à soberania. Neste sentido, o Estado mantém normas que devem ser aplicadas em relação ao processo judicial dentro de seu próprio território. Opera-se, desta feita, a lex fori ou a lei do local.

A Lei processual no tempo não difere das demais no que tange à sua vigência mas diferencia-se no que diz respeito à vigência da lei, embora o art. 1° da LINDB estabelecer uma regra geral sobre a vacatio legis  que é fixado em 45 dias, é muito comum a lei processual ter uma vacatio maior do que este prazo ou entrar em vigor imediatamente.

O sistema da unidade processual determina que o processo será regido apenas por uma lei. Significa isso dizer que o processo é dividido em fases e no caso de uma mudança na lei processual na fase da prática de determinado ato processual, o ato será praticado observando-se a lei antiga.

Por fim, importa dizer que a lei processual tem aplicação imediata, nos termos do art.1211 do Código de Processo Civil, adotando a teoria do isolamento dos atos processuais.


[1] Mendes, Aluisio Gonçalves, in Teoria Geral do Processo, pág. 2.
[2] Ob. Cit., pág. 04.

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