Resumo
O presente trabalho tem como escopo traçar um panorama sobre
as tutelas de urgência no Código de Processo Civil Brasileiro e as
transformações legislativas voltadas para aprimorar e sistematizar as tutelas
de urgência. Após a Constituição Federal de 1988, o princípio da
inafastabilidade da tutela jurisdicional, voltado principalmente para evitar
ameaça ao direito, a temática das tutelas de urgência ganharam especial relevo.
Com efeito, o trabalho busca sistematizar as reformas processuais nesta seara
estendendo a análise até o Projeto do novo Código de Processo Civil que tramita
no Senado Federal. O foco da discussão na parte final do trabalho é verificar
em que medida o projeto avança no sentido de aprimorar a tutelas de urgência no
ordenamento processual brasileiro.
1 – Introdução
O objeto do presente artigo tem como escopo a reflexão sobre
o tratamento dado às tutelas de urgência pelo Projeto 166/2010, que dispõe
sobre o Novo Código de Processo Civil e tem seu tramite perante o Senado<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]-->.
Segundo a Comissão de Juristas, instituída pelo Ato n° 379, de 2009, do
Presidente do Senado, e presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de
Justiça, Luiz Fux, “a ideologia norteadora dos trabalhos da Comissão foi a de
conferir maior celeridade à prestação da justiça, por isso que, à luz desse
ideário maior, foram criados novéis institutos e abolidos outros que se
revelaram ineficientes”<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]-->. Neste
cotejo, alguns institutos foram criados, outros aperfeiçoados e outros
abolidos, tudo com ênfase na efetividade do processo.
Dentre os institutos que foram aperfeiçoados inseriu-se as tutelas de urgência. O Código de Processo Civil de 1973 possui 113 artigos sobre tutela cautelar e 01 artigo, 02 incisos e 07 parágrafos versando sobre antecipação de tutela. O Projeto do novo Código de Processo Civil, na esteira da sólida construção doutrinária<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]-->, incorporou a sistemática das tutelas de urgência, em 16 artigos, excluindo, por completo, o Livro dedicado ao processo cautelar.
Com efeito, o presente trabalho visa refletir sobre a
proposta de sistematização das tutelas de urgência no Projeto 166/10 e se a
mencionada proposta que se visa implementar contribuirá de forma efetiva para a
prestação célere da tutela jurisdicional e, assim, alcançar a promessa
constitucional de um processo efetivo e com uma duração razoável, nos termos do
art.5°, LXXXVIII, da Constituição Federal de 1988.
2. Acesso à justiça e efetividade
do processo
A fase instrumentalista<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--> em
que se encontra o direito processual contemporâneo tem como escopo maior a concretização dos
direitos e a efetividade do processo, valores fundamentais da ciência do
processo. É antiga, neste cotejo, a luta permanente e incansável do processualista
contra os males do tempo. O Estado deve, através da jurisdição, dar a cada um
tudo, exatamente tudo, que se tem direito, na célebre frase de Chiovenda, no
menor tempo possível. Para se alcançar tal objetivo o ordenamento processual
brasileiro vem, ao longo do tempo, se aperfeiçoando para se alcançar este
ideal.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em
seu art.5°, XXXV, o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional e do
amplo acesso à justiça, que tornou-se marco metodológico e epistemológico dos
estudos no âmbito do direito processual e, sobretudo, fio condutor das reformas
no Código de Processo Civil a partir da década de 1990.
Importante se faz, antes de avançar na discussão sobre a tutela de urgência, traçar um breve panorama histórico sobre o movimento do acesso à justiça e efetividade do processo no Brasil. A reflexão e os avanços doutrinários acerca do amplo acesso à justiça e a efetividade teve como ponto culminante os estudos do jurista italiano Mauro Cappelletti e em seu movimento universal do acesso à justiça<!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]-->. No Brasil, autores como José Carlos Barbosa Moreira, Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanbe, Ada Pelegrini Grinover, entre outros incorporaram as premissas de Mauro Cappelletti em seus trabalhos e estudos.
Na década de 1970, a publicação do Relatório mundial do
Projeto de Florença<!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]-->, que apontava os pontos de
estrangulamento dos sistemas jurídicos que impediam o amplo acesso à justiça,
ensejou diversas propostas de aperfeiçoamento do direito processual visando
garantir o acesso à justiça da população aos serviços judiciários como também o
aprimoramento de institutos visando a efetividade do processo. Os autores do
relatório, ao reconhecerem a dificuldade em definir a expressão “acesso à
justiça”, apresentaram, em termos gerais, duas linhas de abordagem diversas que
de alguma forma iluminam o significado da expressão. A primeira está
relacionada com a busca de um sistema jurídico que seja acessível a todos os
cidadãos, independente das desigualdades produzias socialmente. A segunda
centra suas preocupações nos resultados individuais e socialmente justos. O
enfoque do acesso à justiça dos autores tem como eixo a primeira linha
temática.
A necessidade de soluções para os obstáculos que inviabilizam
o amplo acesso à justiça se fez necessário devido às transformações sociais e
institucionais provocadas pelo desenvolvimento do Welfare State, que
devido ao caráter coletivo das relações sociais romperam, pelo menos em tese,
com a visão individualista dos direitos. A contribuição maior destes autores,
em nosso entender, foi constatar, na década de 1970, que as técnicas
jurídico-processuais devem corresponder às próprias funções sociais. Outra
contribuição importante diz respeito mesmo à elevação do acesso à justiça a
condição de direito fundamental.
Ao discutir o processo de construção teórica do conceito de
acesso à justiça, o relatório apresenta um conceito que encontra ampla recepção
nas teorias contemporâneas da Constituição, que dão ênfase aos direitos
fundamentais. Com efeito, na concepção de Cappelletti, o acesso à justiça é um
direito humano básico dos sistemas jurídicos modernos que visa a garantia e
efetividade de direitos e não apenas a sua proclamação.
Esta forma de ver e pensar o direito processual abriu um
importante leque temático que vem sendo o fio condutor das reformas processuais
que vem ocorrendo no Brasil desde 1994. É neste ambiente institucional que as
tutelas de urgência ganharam relevo, pela sua legitimidade constitucional e
principalmente por se tratar de medidas que a um só tempo garante o acesso à
ordem jurídica justa e a efetividade do processo, evitando, por assim dizer,
que o direito do cidadão seja corroído pelo tempo.
3. Tutelas de Urgência no Código de Processo Civil de 1973
O nosso sistema antes do Código de 1973 já contemplava
algumas hipóteses de antecipação de tutela mas que estavam reguladas em
procedimentos especiais, como na Lei 1533/51, revogada pela Lei 12.016/2009,
que trata da Liminar no Mandado de Segurança. O Código de Processo Civil de
1973, por sua vez, regulou algumas modalidades de antecipação de tutela em
alguns procedimentos especiais como na Reintegração de Posse (art. 920), o
Embargo extrajudicial e judicial na Nunciação de Obra Nova (art.935) entre
outras hipóteses. O Código de Processo Civil de 1973 criou, ainda, um Livro
dedicado ao Processo Cautelar que tem como escopo conservar uma situação de
fato para ser efetivada em um outro processo denominado principal.
Percebe-se que o legislador processual do atual Código não
tratou de uma sistemática que permitisse ao jurisdicionado obter, no bojo de um
processo de conhecimento, uma tutela de urgência. Esta lacuna deu ensejo ao
manejo da ação cautelar para obtenção de tutelas de urgência, com fulcro no
Poder Geral de Cautela, do art. 798 do Código de Processo Civil, transmudando a
natureza do instituto, sem que se ingressasse, após a liminar, com a ação
principal dando origem a denominada cautelar satisfativa.
Pense-se no exemplo de um pai que quer evitar que a mãe
viagem com seu filho sem a sua autorização e ingressa com uma ação cautelar
visando o cancelamento da viagem do menor. Após a concessão da liminar, a após
alcançar seu objetivo, o pai não mais vê necessidade de ingressar com uma
demanda principal pois já está satisfeito com a decisão. Tal praxe forense veio
se consolidando ao longo do tempo ante ao déficit das tutelas de urgência no
ordenamento processual.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, com as
garantias individuais e coletivas, criou-se um cenário institucional focado na
instrumentalidade do processo e no amplo acesso à justiça através do art. 5°,
XXXV, que estabeleceu a inafastabilidade da tutela jurisdicional no sentido de
evitar lesão ou ameaça ao direito. Surge, então, o que entendemos ser a primeira
onda<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--> de reformas no
direito processual civil brasileiro visando aprimorar a sistemática das tutelas
de urgência, com a Lei 8.952/94 que institui a antecipação de tutela no bojo do
processo de conhecimento e não mais somente em procedimentos especiais.
A referida lei deu nova redação ao art. 273 do Código de
Processo Civil, que instituiu a antecipação dos efeitos da própria sentença
quando ocorrer risco de dano irreparável ou de difícil reparação (inciso I),
desde que demonstrada a verossimilhança da alegação e prova inequívoca do
alegado, típica tutela de urgência. Institui, ainda, uma antecipação com vistas
a evitar abuso no direito de defesa (inciso II).
Esta primeira reforma contribuiu muito para a efetividade do
processo pois permite que efeitos da sentença de mérito sejam antecipados, em
alguns casos sem ouvir a parte contrária, provimento antecipado evitando, desta
feita, lesões ao direito. No entanto, ante a semelhança entre a antecipação de
tutela e tutela cautelar causou diversas confusões entre os institutos, que
perdurou por alguns anos entre doutrinadores e operadores do direito,
culminando no que denominamos a segunda onda de reformas
processuais visando sistematizar as tutelas de urgência no direito processual
civil brasileiro, através da Lei 10.444/2002, que inseriu mais 02 parágrafos ao
art. 273, estabelecendo a denominada fungibilidade entre as tutelas de
urgência.
A reforma visou superar
as confusões de ordem prática, nos casos de dúvida objetiva entre um
pedido cautelar ou antecipatório, cujo erro na escolha procedimental poderia
acarretar a extinção do processo sem resolução de mérito, o que aumentaria os
riscos de danos irreparáveis ou de difícil reparação, efeito reverso da tutela
de urgência. Com a reforma o juiz estava autorizado a recebeu uma por outra,
atendendo, da melhor forma o princípio da inafastabilidade da tutela
jurisdicional.
É verdade que a confusão acerca da fungibilidade ainda permanece em alguns setores da doutrina, onde se interpreta a denominada fungibilidade de mão única, ou seja, permite somente a conversão da antecipação da tutela em cautelar incidental. Trata-se de uma interpretação literal que, ao nosso sentir, extrai da norma menos do que foi desejado pelo legislador. Além deste embate doutrinário e jurisprudencial, a celeuma acerca da cautelar satisfativa ainda encontra espaço no ambiente doutrinário, o que demonstra a séria necessidade de um tratamento sistematizado das tutelas de urgência.
Além da fungibilidade entre as tutelas de urgência, a segunda
onda criou também a denominada tutela antecipada para os casos de pedidos
incontroversos, conforme dispõe o art. 273, §6°, do Código de Processo Civil.
Trata-se de modalidade de antecipação de tutela que não tem como escopo evitar
os riscos do tempo mas antecipar os pedidos que não tornarem objeto de
controvérsia, equiparando-se ao julgamento antecipado disposto no artigo 330 do
CPC.
As tutelas de urgência compreendem, atualmente, um conjunto
normativo que engloba leis extravagantes, como a Lei do Mandado de Segurança, a
Tutela Cautelar, típica e atípica, e a antecipação de tutela do art. 273 do
Código de Processo Civil, sem receber um tratamento científico e sistematizado
que possa aprimorar, na esteira da constitucionalização dos direitos, a
eficácia das tutelas de urgência. A terceira onda representa a
sistematização das tutelas de urgência no Projeto 166/2010.
4 – Das Tutelas de Urgência no Projeto do Novo Código
de Processo Civil
O Projeto do Novo Código de Processo Civil trata das tutelas
de urgência em seus artigos 277 a 293. O Título IX, Capítulo I dispõe sobre as
disposições comuns, da tutela de urgência cautelar e satisfativa, e o Capítulo
II dispõe sobre o procedimento para as tutelas de urgência requerida
incidentalmente e requerida em caráter antecedente.
A primeira grande mudança foi a extinção do processo
cautelar. O juiz, nos termos do art. 278, poderá determinar as medidas que
considerar adequadas quando houver risco de dano. A referida regra é assim
disposta no Projeto:
“Art. 278. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas
quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide,
cause ao direito da outra lesão grave ou de difícil reparação.”
Com efeito, não é mais o autor da demanda que elege a via a
ser utilizada, cautelar ou antecipação de tutela, e sim a própria natureza da demanda
que irá definir se é hipótese de cautelar ou antecipação. O Código privilegia a
sistemática das tutelas de urgência, não dando margens para dúvidas objetivas
das partes.
Algumas disposições do processo cautelar do Código de
Processo Civil foram aproveitadas no Projeto, como a responsabilidade
processual do requerente, nos casos em que o deferimento da medida liminar
causar dano ao requerido (art.282) e a fixação da competência para o
requerimento de tutela de urgência antecedente (art.280), regra disposta no
art. 810 do atual CPC.
4.1. Requisitos para concessão das tutelas de urgência
Os requisitos para a antecipação concessão de tutela de
urgência estão dispostos nos artigos 283 e 284 do Projeto. Segundo o comando do
art. 283, o juiz somente concederá a medida se estiverem presentes elementos
que evidenciem a plausibilidade do direito como também a demonstração do risco
de dano irreparável ou de difícil reparação. Com efeito, verifica-se que o
projeto reuniu os requisitos para a tutela cautelar e para antecipação de
tutela na referida norma.
O Projeto ampliou a possibilidade de concessão de tutela de urgência de ofício. Segundo o art. 284, “Em casos excepcionais ou expressamente autorizados por lei, o juiz poderá conceder medidas de urgência de ofício.” A despeito da norma ser um avanço, a praxe forense demonstra que os juízes utilizam com muito parcimônia a concessão das tutelas de urgência de ofício.
4.2. Tutelas de evidência
O Projeto criou uma seção própria para as denominada tutelas
de evidência<!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]-->. Trata-se, na espécie, de
uma modalidade de antecipação de tutela que tem como escopo o abuso do direito,
pedidos incontroversos ou matérias unicamente de direito. A tutela de evidência
está disposta da seguinte forma no art. 285:
Art. 285. Será dispensada a demonstração de risco de
dano irreparável ou de difícil reparação quando:
I - ficar
caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do requerido;
II - um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela
deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva;
III - a inicial for instruída com prova documental
irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova
inequívoca; ou
IV - a matéria for unicamente de direito e houver
jurisprudência firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante.
Parágrafo único. Independerá igualmente de prévia
comprovação de risco de dano a ordem liminar, sob cominação de multa diária, de
entrega do objeto custodiado, sempre que o autor fundar seu pedido
reipersecutório em prova documental adequada do depósito legal ou convencional.
A novidade do projeto foi incluir na sistemática da tutela de
evidência a regra disposta no art. 285-A do atual CPC, denominada pela doutrina
de sentença liminar, no inciso IV do art. 285 do Projeto. Com espectro
ampliado, a regra englobará o entendimento jurisprudencial firmado em
julgamento de demandas repetitivas (art.895 do Projeto) ou de súmula vinculante.
O Projeto racionalizada a regra da sentença liminar que, atualmente, é aplicada
de acordo com entendimento, as vezes equivocados, do juízo singular.
4.3. Estabilização das tutelas de urgência antecedente
A grande novidade do Projeto do Código de Processo Civil
encontra-se nos artigos 286 a 293. O jurisdicionado poderá vir a juízo requerer
determinada tutela de urgência,
indicando a lide, seu fundamento e a exposição sumária do direito ameaçado. O
requerido será citado para contestar em 05 dias (art. 287). Se o pedido de
urgência não for contestado, serão presumidos os fatos alegados e o juiz
decidirá em 05 dias, concedendo ou não a tutela de urgência.
Caso o pedido de tutela de urgência seja contestado, o juiz
designará audiência de instrução e julgamento. Após tal ato o juiz poderá
deferir a tutela de urgência que poderá ou não ser impugnada pelo réu. No caso
de impugnação será aplicada a regra do art. 289 do Projeto, cuja redação é a
seguinte:
Art. 289. Impugnada a medida liminar, o pedido principal deverá ser apresentado pelo requerente no prazo de um mês ou em outro prazo que o juiz fixar.
§ 1º O pedido principal será apresentado nos
mesmos autos em que tiver sido veiculado o requerimento de medida de urgência,
não dependendo do pagamento de novas custas processuais.
§ 2º A apresentação do pedido principal será desnecessária se o
réu, citado, não impugnar a liminar.
§
3º Na hipótese prevista no § 2º, qualquer das partes poderá propor
ação com o intuito de discutir o direito que tenha sido acautelado ou cujos
efeitos tenham sido antecipados.
Caso não seja impugnada a concessão da medida de urgência,
ocorrerá o fenômeno processual da estabilização da tutela de urgência e será
dispensada a propositura do pedido principal. Com a estabilização da tutela de
urgência, seus efeitos se estabilizarão também e somente cessará através da
propositura de ação ajuizada por uma das partes.
Tal regra está disposta no art. 293 do Projeto que possui a
seguinte redação:
Art. 293. A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a
estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a
revogar, proferida em ação ajuizada por uma das partes.
Parágrafo
único. Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que
foi concedida a medida para instruir a petição inicial da ação referida no
caput.
A inovação trazida pelo Projeto do Novo Código de Processo
Civil é muito similar com a vetusta cautelar satisfativa. O autor pode se satisfazer
com a concessão da tutela de urgência e não desejar ingressar com o pedido
principal. É evidente que a decisão não fará coisa julgada material, mas seus
efeitos perdurarão até eventual cessação dos efeitos através de uma ação
principal ajuizada a posteriori.
O Projeto avançou na sistematização da tutela de urgência no
Brasil e poderá contribuir e muito para efetivação do processo e do amplo
acesso à ordem jurídica justa. A estabilização das tutelas de urgência, bem
assimilada, poderá ser uma potente ferramenta para consolidar a promessa
constitucional da duração razoável do processo.
5 – Uma abordagem crítica do Projeto do novo CPC acerca
das tutelas de urgência
5.1. Irreversibilidade da tutela antecipada
É inegável que o 166/2010 incorporou em seus artigos vários
entendimentos jurisprudenciais e doutrinários consolidados. No entanto, a
Projeto, ao nosso sentir, perdeu uma importante oportunidade para sistematizar
alguns aspectos polêmicos sobre a tutela de urgência. O ponto positivo do
Projeto está na sistematização da fungibilidade das tutelas de urgência
eliminando o Livro referente ao processo cautelar e deixando a cargo do juiz
definir a modalidade de tutela de urgência a ser deferida.
O primeiro ponto que não foi devidamente tratado foi a reversibilidade
recíproca. A regra estabelecida no art. 273, §2°, do atual Código de Processo
Civil criou a impossibilidade de se deferir antecipação de tutela quando se
verificar que não será possível voltar ao status quo ante. No entanto,
há situações da vida que há a irreversibilidade da tutela de urgência mas o seu
indeferimento vai tornar também irreversível a situação de fato não protegida
pela tutela de urgência.
Fredie Didier Jr, ao tratar do tema defende que a exigência
legal deve ser tratada com temperamento pois em alguns casos o indeferimento
pode causar um mal maior. Com efeito, vale transcrever a argumentação do autor:
“Isso porque, em muitos casos, mesmo sendo irreversível a medida
antecipatória – ex.: cirurgia em paciente terminal, despoluição de águas
fluviais, dentre outros -, o seu deferimento é essencial, para que se evite um
‘mal maior’ para parte/ requerente. Se o seu deferimento é fadado à produção de
efeitos irreversíveis para o requerido, o seu indeferimento também implica
conseqüências irreversíveis para o requerente. Nesse contexto, existe, pois, o
perigo da irreversibilidade decorrente da não-concessão da medida. Não conceder
a tutela antecipada para a efetivação do direito à saúde pode, por exemplo,
muitas vezes, implicar a conseqüência irreversível da morte do demandante<!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]-->.”
Marinoni<!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]-->,
sustenta com propriedade que o indeferimento de tutela de urgência com
fundamento, nos casos extremos apontados acima, significa negar o direito
constitucional à adequada tutela jurisdicional. José Roberto Bedaque, em sua
importante obra Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de
urgência (tentativa de sistematização) sustenta que a irreversibilidade da
medida não é argumento legítimo para indeferimento da medida em casos de
irreversibilidade recíproca. A idéia é assim apresentada:
“Não se pode desprezar, porém, a possibilidade de situações extremas, em
que se permite a satisfatividade irreversível da tutela antecipada, sob pena de
perecimento do direito. Se a única forma de se evitar essa conseqüência e
assegurar a efetividade do processo for antecipar efeitos irreversíveis, não se
pode excluir de plano a medida.<!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]-->”
Nestes casos extremos, a jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça e dos estados vem se consolidando no sentido deferir antecipação de
tutelas, mesmo nos casos de irreversibilidade aplicando o princípio da
proporcionalidade, equilibrando no caso concreto os princípios da efetividade e
da segurança.
Ao nosso sentir, a Comissão perdeu a oportunidade de sistematizar a posição acertada da jurisprudência no sentido de se deferir antecipação de tutela nos casos em que o indeferimento causará outro dano também irreversível para o requerente.
5.2. Antecipação de tutela em face da Fazenda Pública
A discussão sobre a possibilidade de antecipação de tutela em
face da Fazenda Pública surgiu desde a publicação da Lei 8.952/94. Parte
considerável da doutrina posicionou-se no sentido de não se permitir
antecipação de tutela em face da Fazenda Pública. Os argumentos eram no sentido
de que toda e qualquer decisão em face do Poder Público estava submetido ao
reexame necessário, conforme art. 475 do atual CPC, além da Fazenda Pública
realizar pagamentos através de precatórios.
Mas as situações da vida submetida aos processos judiciais demonstraram
que existem hipóteses que se torna extremamente necessário o deferimento de uma
tutela de urgência mesmo em face da Fazenda Pública, como ocorre nos casos de
demandas versando sobre medicamentos. Neste cotejo, tornou-se inevitável o
deferimento das tutelas de urgência em face do poder público, ante ao
fundamento constitucional que ampara a medida. Diante deste cenário, a Lei
9494/97 regulamentou as hipóteses de antecipação de tutela em face da Fazenda
Pública.
No entanto, a despeito da referida legislação a antecipação
da tutela em face da Fazenda Pública ainda encontra algumas limitações,
conforme dispõe o art. 1° da Lei. 9494/97. Entendemos, que a Comissão deixou
passar em branco a oportunidade de regulamentar, de forma mais sistemática e
abrangente, a antecipação dos efeitos da tutela em face do Poder Público.
Considerando que o fio condutor dos trabalhos da comissão foi a efetividade do
processo, deixou passar a oportunidade de abordar com profundidade um dos
maiores obstáculos à efetividade do processo que é a ampla prerrogativa da
Fazenda Pública em juízo.
6. Conclusão
O nosso objetivo neste trabalho foi discutir o
desenvolvimento legislativo das tutelas de urgência no Brasil, abordando a
temática sempre a luz da efetividade do processo e do amplo acesso à justiça
como direitos fundamentais positivados no texto constitucional. Neste contexto,
a terceira onda, caracterizada pelo Projeto 166/2010 apresenta importante
avanço no que diz respeito às tutelas de urgência, sobretudo na consolidação do
princípio da duração razoável do processo.
No entanto, apresentamos neste artigo as idéias centrais do
instituto da tutela de urgência no Projeto, como também abordamos alguns pontos
de grande relevância, do ponto de vista da efetividade do processo que foi o
fio condutor dos trabalhos da comissão, que não foram, ao nosso sentir,
devidamente abordado no Projeto. Com efeito, limitamos neste espaço a ampliar o
debate sobre o projeto com o intuito de contribuir para o aprimoramento da
tutela jurisdicional.
6
- Referências bibliográficas
Bedaque,
José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas
sumárias e de urgência: uma tentativa de sistematização. Editora Malheiros.
São Paulo. 2006.
Câmara, Alexandre. Lições de Direito Processual
Civil. Vol. I. Ed. Lumen
Juris.
Didier Jr, Fredie. Curso de Direito Processual
Civil. Vol 2. Ed. Podivm.
Dinamarco,
Candido Rangel. A instrumentalidade do Processo. Editora Malheiros. São
Paulo. 2002.
Marinoni,
Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Editora Revistas dos Tribunais.
São
Paulo. 2008.
Medina,
José Miguel Garcia. Processo Civil Moderno. Vol. 4. Editora Revistas dos
Tribunais. São Paulo. 2009.
Theodoro Junior, Humberto. Curso de Direito
Processual Civil. Vol II. Editora Forense.
Wambier,
Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 2. Editora Revista dos Tribunais.
São Paulo. 2008.
<!--[endif]-->
<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> Na data da elaboração
deste trabalho o Projeto 166/2010 esta na fase de apresentação de emendas no
Senado Federal.
<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> Exposição de Motivos do
Anteprojeto do Novo CPC elaborado pela Comissão.
<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--> Ver, por todos, a
substanciosa obra de José Roberto Bedaque in Tutela Cautelar e Tutela
Antecipada: tutelas sumárias e de Urgência: uma tentativa de sistematização.
<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--> Ver Candido Dinamarco in
A instrumentalidade do processo.
<!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--> Acesso à justiça.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988.
<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--> O termo utilizado foi é
uma readaptação do termo utilizado por Mauro Cappelletti em seu relatório Acesso
à Justiça.
<!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--> O conceito de tutela de
evidência é utilizada por Luiz Fux em obra intitulada Tutelas de Emergência
e
Tutela de Evidência.
<!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--> Didier, Curso de
Direito Processual Civil, Vol. 2.
<!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--> In Curso de Processo
de Conhecimento, Vol. 2, pág. 230,
<!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]--> Ob.cit. pág. 348.
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