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Fundamentação estruturada da decisão judicial

O tratamento dispensado à fundamentação da sentença foi integralmente redimensionado no NCPC. No sistema processual do CPC/73 as fundamentações das decisões judiciais estavam delimitadas pelo art. 93, IX, da CF/88, pelo livre convencimento motivado, nos termos do art. 131 e pela estruturação da sentença definida no art. 458. No entanto, a despeito do tratamento constitucional do tema não se evitou o pronunciamento judicial com fundamentação deficiente ou incompleta, no sentido de não contemplar todos os fundamentos apresentados pelas partes. Com efeito, o novo código, com forte fundamentação constitucional, ampliou a exigência de uma fundamentação estruturada que obrigue o legislador a expor o procedimento cognitivo utilizado para justificar a decisão de forma a inviabilizar decisões marcadamente subjetivas. Por outro lado, a inserção do sistema de precedentes judiciais em nossa processualística reformulou, por completo, a necessidade de mudança paradigmática do sentido de fundamentação das decisões judiciais de forma a adequá-la aos novos vetores principiológico e metodológicos do novo código. Segundo o art. 489 do CPC/2015, os elementos da sentença são o relatório, a fundamentação e a parte dispositiva. No entanto, a novidade está no detalhamento no sentido de se definir com clareza o que se entende por decisão fundamentada especificamente no parágrafo 1º do referido dispositivo legal. Neste sentido, não se considera fundamentada a decisão que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Verifica-se, portanto, que se ampliaram consideravelmente as hipóteses de nulidades das decisões, principalmente nos casos de violação ao mencionado comando normativo. É interessante observar que a fundamentação rigorosamente estruturada provocará verdadeira transformação nos ancoramentos cognitivos dos juízes que foram socializados num ambiente institucional em que a autoridade do Estado Juiz, por si só, conferia legitimidade a decisão, desde que se assegurasse o contraditório às partes. No entanto, o novo código exige uma fundamentação acurada e devidamente justificada de forma a permitir que as partes compreendam completamente o caminho intelectivo utilizado pelo julgador para se aplicar um precedente e rejeitar o outro ou mesmo como se operou a ponderação na aplicação de normas colidentes ou justapostas sobre uma mesma situação de fato. Essa reestruturação da fundamentação evidencia, mais uma vez, que o julgador é um sujeito processual que atua em conjunto com as partes no encaminhamento do processo e, por isso mesmo, não há lugar para o distanciamento do julgador em decorrência de sua posição de hierarquia diante dos jurisdicionados. Essa é a nova metodologia do novo código, que se evidencia em diversas disposições do código.

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