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Competência internacional no novo Código de Processo Civil

A competência internacional era tratada nos artigos 88,89 e 90 do Código de Processo Civil de 1973. As referidas regras dispõem sobre a competência concorrente do Brasil para julgar determinadas causas versando sobre direitos obrigacionais e a sobre a competência exclusiva da justiça brasileira para apreciar demandas que versem sobre bens imóveis localizados no território nacional. O Código de Processo Civil de 2015 não inovou muito na temática tratando, tão somente, de melhor detalhar as hipóteses de competência concorrente e exclusiva da justiça brasileira. O art. 21 da Lei nº 13.105/2015 reproduz quase que integralmente a norma do art. 88 do Código de Processo Civil de 1973. No entanto, a novidade no tratamento do tema está disposta no art. 22 do CPC/2015. A mencionada norma inseriu novas hipóteses de competência concorrente da justiça brasileira contemplando, também, as ações de alimentos, quando o credor tiver domicílio ou residência no país (art. 22, I, “a”) ou quando o devedor tiver bens ou renda no Brasil (art. 22, I, “b”). O tratamento específico dessa temática elimina incertezas sobre a competência para ajuizamento de ações de alimentos quando o credor e devedor residirem em países diferentes facilitando o acesso à justiça do alimentando nas duas hipóteses do inciso I do art. 22 da Lei n° 13.105/2015. Questão interessante surge na hipótese de a ação de alimentos ter sido proposta no exterior e eventual execução ser deflagrada no Brasil tendo como fundamento uma das hipóteses do art. 22, I, do CPC. Nesse caso, o credor pode promover a execução diretamente no Brasil, numa das Varas de Família, ou dependerá de homologação da respectiva sentença estrangeira, com a consequente execução na Justiça Federal? Num primeiro momento entendo que o credor deverá homologar a sentença estrangeira perante o STJ para iniciar a execução em sede de Justiça Federal. A hipótese do inciso II diz respeito às ações que tenham como objeto relação de consumo. Na verdade o CPC/15 eliminou toda e qualquer dúvida sobre a competência concorrente em relação aos defeitos e ilícitos nas relações de consumo. Considerando o aumento excessivo de compras realizadas no exterior através da internet, essa regra veio em boa medida facilitando o acesso à justiça do consumidor brasileiro que realiza compras no exterior. Essa clareza do dispositivo legal foi fundamental para dissolver eventuais dúvidas sobre a competência nesse particular. No entanto, uma observação deve ser feita. Caso o consumidor realize contrato que contenha cláusula de eleição de foro estabelecendo a competência de país do exterior e a matéria for alegada pelo réu em sua contestação, a competência da justiça será excluída da apreciação da demanda nos termos do art. 25 do novo CPC. Surge nesse particular uma questão interessante. Caso a cláusula de eleição de foro que determine a competência de país estrangeiro for abusiva, poderá o juiz torna-la ineficaz e prosseguir no processamento da demanda na justiça brasileira, nos termos do art. 63,§3º do CPC/2015? Ou o juiz brasileiro não é competente para tornar a referida cláusula ineficaz? Entendo que, por se tratar de competência concorrente, poderá o juiz brasileiro tornar ineficaz a cláusula de eleição de foro estrangeiro abusiva. O inciso III, do art. 22 do CPC/2015, dispõe que será competente a justiça brasileira para as causas que as partes, expressa ou tacitamente, submeterem à justiça nacional. A simplicidade da regra não exige maiores observações. A competência exclusiva da justiça brasileira foi tratada no art. 23 do novo CPC. Em verdade não alterações substantivas, permanecendo a competência absoluta da justiça brasileira para julgamento de causas que versem sobre bens imóveis localizados no Brasil. A alteração feita pelo novo CPC foi o detalhamento acerca da partilha de bens imóveis situados no Brasil decorrente de divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável no inciso III do mencionado dispositivo legal. Interessante observar que, ao contrário do que defendem importantes civilistas, o novo CPC foi claro ao admitir a permanência da separação judicial em nosso ordenamento jurídico. Embora alguns sustentem que a Emenda Constitucional 66/2010 pôs fim à separação judicial, ao se admitir o divórcio direto independente de lapso temporal, a Lei nº 13.105/2015 se posicionou no sentido de manter, enquanto procedimento especial, a separação judicial em nosso ordenamento jurídico processual. Concordo plenamente com a posição do Projeto vitorioso, pois caberá aos demandantes optar pelo divórcio ou separação judicial, de acordo com cada caso especifico não podendo o legislador constitucional interferir nessa escolha. Finalizando nossos breves comentários, a regra do art. 24 do novo CPC trata da inexistência de litispendência entre ações que tramitam em tribunais estrangeiros e as que tramitam nos tribunais brasileiros. Essa regra já fazia parte do ordenamento processual vigente em seu art. 90. Importante destacar que o código admite sim que ação distribuída no Brasil seja prejudicada devido à tratados internacionais ou bilaterais que o Brasil seja signatário. A novidade, portanto, está no reconhecimento do acerto da doutrina e dos precedentes judiciais ao dispor expressamente que o ajuizamento de ação na justiça brasileira não impede ao ajuizamento da respectiva ação de homologação de sentença estrangeira perante o Superior Tribunal de Justiça tratando da mesma controvérsia.

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