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Divergências no STJ sobre a penhorabilidade de salários - necessidade de uniformização sobre a temática

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça publicou no Informativo nº 553 precedente judicial através do qual se permite a penhora de honorários advocatícios, quando estes superarem o "razoável" para o sustento do advogado e de sua família. A decisão é, no mínimo, curiosa pois o tribunal é firme no entendimento de que o salário é impenhorável. Os fundamentos determinantes do julgado podem ser identificados na ementa abaixo: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. POSSIBILIDADE DE PENHORA SOBRE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Excepcionalmente é possível penhorar parte dos honorários advocatícios – contratuais ou sucumbenciais – quando a verba devida ao advogado ultrapassar o razoável para o seu sustento e de sua família. Com efeito, toda verba que ostente natureza alimentar e que seja destinada ao sustento do devedor e de sua família – como os honorários advocatícios – é impenhorável. Entretanto, a regra disposta no art. 649, IV, do CPC não pode ser interpretada de forma literal. Em determinadas circunstâncias, é possível a sua relativização, como ocorre nos casos em que os honorários advocatícios recebidos em montantes exorbitantes ultrapassam os valores que seriam considerados razoáveis para sustento próprio e de sua família. Ademais, o princípio da menor onerosidade do devedor, insculpido no art. 620 do CPC, tem de estar em equilíbrio com a satisfação do credor, sendo indevida sua aplicação de forma abstrata e presumida. Precedente citado: REsp 1.356.404-DF, Quarta Turma, DJe 23/8/2013. REsp 1.264.358-SC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 25/11/2014, DJe 5/12/2014. Por outro lado, o mesmo STJ publicou no Informativo nº 554 outro precedente onde reafirma a impenhorabilidade de salários, nos termos do art. 649, IV, do CPC, impedindo a penhora de valores decorrentes de rescisão trabalhistas depositados em conta poupança. As razões pode ser identificadas na ementa do julgado: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LIMITES DA IMPENHORABILIDADE DE QUANTIA TRANSFERIDA PARA APLICAÇÃO FINANCEIRA. É impenhorável a quantia oriunda do recebimento, pelo devedor, de verba rescisória trabalhista posteriormente poupada em mais de um fundo de investimento, desde que a soma dos valores não seja superior a quarenta salários mínimos. De fato, a jurisprudência do STJ vem interpretando a expressão salário, prevista no inciso IV do art. 649 do CPC, de forma ampla, de modo que todos os créditos decorrentes da atividade profissional estão abrangidos pela impenhorabilidade. Cabe registrar, entretanto, que a Segunda Seção do STJ definiu que a remuneração protegida é apenas a última percebida – a do último mês vencido – e, mesmo assim, sem poder ultrapassar o teto constitucional referente à remuneração de ministro do STF (REsp 1.230.060-PR, DJe 29/8/2014). Após esse período, eventuais sobras perdem a proteção. Todavia, conforme esse mesmo precedente do STJ, a norma do inciso X do art. 649 do CPC merece interpretação extensiva, de modo a permitir a impenhorabilidade, até o limite de quarenta salários mínimos, de quantia depositada não só em caderneta de poupança, mas também em conta corrente ou em fundos de investimento, ou guardada em papel-moeda. Dessa maneira, a Segunda Seção admitiu que é possível ao devedor poupar, nesses referidos meios, valores que correspondam a até quarenta salários mínimos sob a regra da impenhorabilidade. Por fim, cumpre esclarecer que, de acordo com a Terceira Turma do STJ (REsp 1.231.123-SP, DJe 30/8/2012), deve-se admitir, para alcançar esse patamar de valor, que esse limite incida em mais de uma aplicação financeira, na medida em que, de qualquer modo, o que se deve proteger é a quantia equivalente a, no máximo, quarenta salários mínimos. EREsp 1.330.567-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/12/2014, DJe 19/12/2014. A divergência acerca da adequada interpretação do art. 649, IV, do CPC não é salutar e reclama urgente uniformização sobre o tema. Não nos parece razoável a aplicação de critérios subjetivos na solução destes casos e contribui para insegurança jurídica nos tribunais estaduais. Se consideramos o entendimento de que o conceito de salário é amplo é inegável a impenhorabilidade, também, dos honorários advocatícios. Se, por outro giro, entendermos que admite-se a penhora de renda, honorários ou salário, de valores que não comprometa o sustento da família do devedor podemos relativizar, no âmbito do Tribunal, a impenhorabilidade de salários e vencimentos. É necessário, portanto, uniformizar a temática no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

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