Pular para o conteúdo principal

Princípios processuais constitucionais no novo Código de Processo Civil (Lei nº13. 105/15)

O Novo Código de Processual foi sancionado hoje, 16/03/2015, através da Lei nº 13.105/2015, trazendo importantes inovações para processualística brasileira. A característica principal e norteadora do novo Diploma é o fortalecimento da constitucionalização do direito processual e a própria efetividade do processo. A perspectiva constitucionalizada do CPC/2015 é claramente representada na incorporação, em alguns momentos a transcrição literal, dos princípios processuais constitucionais. Em verdade, não haveria necessidade de o Código reproduzir os princípios constitucionais, considerando que o movimento teórico denominado neoconstitucionalismo e neoprocessualismo, orienta a interpretação das regras processuais à luz do texto constitucional, No entanto, a incorporação dos princípios constitucionais no texto do Código representa uma postura metodológica e política das Comissões de trabalho, que atuaram ao longo de todo processo legislativo, no sentido de se consolidar o processo civil como instrumento mesmo de garantias constitucionais individuais e coletivas como também adequar a tutela jurisdicional ao Estado Constitucional muito defendida por forte segmento doutrinário. Feitas essas primeiras observações passemos à análise das inovações nesse particular. O art. 1º do CPC/2015 dispõe que o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Interessante observar que o art. 1º estabelece um vetor axiológico ou valorativo através do qual todas as regras processuais devem ser interpretadas. Em nosso sentir, ao estabelecer como regra fundamental a constitucionalização do processo o novo CPC deixa claro a intenção de alinhar, de forma contundente, as regras processuais alinhadas ao texto constitucional evitando, por assim dizer, certa relativização na aplicação dos respectivos princípios. O art. 3º da Lei nº 13.105/2015 reproduziu o princípio do amplo acesso à justiça, disposto no art. 5º, XXXV da CF/88, determinando que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão ao direito”. Esse princípio tem sido fundamental no desenvolvimento de perspectivas teóricas que aprofundaram e aprimoraram as tutelas de urgência e as tutelas diferenciadas. No texto constitucional o princípio é direcionado ao legislador, no sentido de determinar que as Leis devam zelar pelo amplo acesso, e, num segundo momento, a regra era direcionada ao julgador em sua prática judiciária. A incorporação desse princípio no texto do Código de Processo Civil abre uma nova dimensão desse princípio processual, pois a regra, nesse contexto, é direcionada exclusivamente para o juiz e para as partes. Nessa perspectiva, o princípio do amplo acesso à justiça é norteador não somente das tutelas de urgência ou tutelas diferenciadas, mas norteia a interpretação mesmo dos atos processuais e do procedimento comum um todo, viabilizando o acesso à ordem jurídica justa, na forma proposta por Kazuo Watanabe. Essa disposição acerca do princípio do amplo acesso à justiça, em seu sentido estrito no CPC/2015, poderá contribuir muito para se aprimorar a prestação da jurisdição no Brasil. O princípio da tempestividade, disposto no art. 5º, LVXXVIII, da CF/88, foi reproduzido, em parte, no art. 4º do CPC/2015. Segundo o texto legal “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Percebe-se com muita clareza a intenção da Comissão em potencializar os princípios constitucionais no sentido de dar maior efetividade ao processo. O direito de obter em prazo razoável a solução integral de mérito constitui princípio norteador da condução do procedimento pelo juiz e pelas partes. Além de garantir maior celeridade e efetividade dos atos processuais na fase de conhecimento o princípio garante, também, a celeridade processual no cumprimento de sentença. Ao incluir a atividade satisfativa no âmbito do princípio da celeridade as comissões pretenderam estender a celeridade para a prática de todos os atos executivos garantindo a celeridade da tutela jurisdicional tanto na fase de conhecimento como na fase executiva. O princípio da isonomia disposto no art. 5º da CF/88 ganhou novas dimensões no art. 7º da Lei nº 13.105/2015. Segundo o mencionado artigo “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e a aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”. A leitura qualificada do princípio da isonomia, desdobrando-se em diversos aspectos processuais como faculdades processuais, ônus entre outros, evidencia o detalhamento com que se observaram os princípios constitucionais processuais. O referido dispositivo legal tratou, também, do princípio do contraditório em seu bojo, reforçando a perspectiva constitucional do novo Código. Os princípios da publicidade dos atos processuais e da motivação foram dispostos no art. 11 do novo CPC. O CPC/2015 traz interessante novidade ao dispor sobre o que denominamos dever colaboração. Conforme o art. 6º “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Nesse particular o Código incorporou a tese do processo colaborativo dos processualistas do sul do país, estabelecendo um modelo menos adversarial e mais cooperativo. É evidente que a cultura jurídica processual brasileira, ainda fortemente marcada pela contenciosidade, terá sérias dificuldades para assimilar a lógica de um processo colaborativo, motivo pelo qual o Código a tenha inserido como um dever e não como princípio norteador. Por seu turno, o art. 10 determina que o juiz não poderá decidir sem ouvir as partes, mesmo nos casos que tratam de matéria de ordem pública. Diferente do CPC/73, que autorizava o juiz a decidir de ofício acerca de matérias de ordem pública, o novo CPC determina que todas as questões devem ser decididas após a manifestação das partes. As regras do art. 6º e 10, conjugados, sistematizam o processo colaborativo em suas principais dimensões, em especial a pacificação dos conflitos e a efetividade do processo. Essa primeira reflexão acerca dos princípios constitucionais no novo Código de Processo Civil se faz importante para se compreender as bases teóricas do denominado neoprocessualismo incorporadas na Lei nº 13.105/2015 com a finalidade de se alcançar a efetividade da tutela jurisdicional. No entanto, a plena eficácia dessas regras e princípios somente se obterá com a mudança de perspectiva, também, do operador do direito preparado para assimilar em sua cultura jurídica os valores vanguardistas encartados no novo Código de Processo Civil.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Impossibilidade de aditar a contestação eletrônica em sede de Juizados Especiais Cíveis Estaduais

Em determinada audiência de instrução de julgamento realizada em sede de juizado especial cível, em que tive a oportunidade de atuar como advogado do autor, a representante legal da empresa ré requereu à juíza leiga emenda à contestação para ampliar os argumentos da defesa. Diante da manifestação inusitada, e para mim contrária ao princípio da eventualidade (art. 302 do CPC), me manifestei no sentido da impossibilidade de complementação da contestação, em audiência, em sede de juizados especiais cíveis que tenham processamento eletrônico, considerando que a defesa já foi devidamente apresentada em momento anterior à própria audiência. A insistência da advogada e o silêncio da juíza leiga me motivaram a registar aqui a minha posição sobre o tema, que ainda não teve o devido tratamento na doutrina processual civil. Penso que o processamento eletrônico, inaugurado pela Lei. 11.419/06 impôs séria reflexão sobre institutos processuais consolidados a partir da experiência cotidiana do proce...

Notas sobre audiência de conciliação/mediação

Um processo judicial, em regra, tem como principal característica um conflito de interesses. Por esse motivo, alguns autores conceituavam o processo como uma guerra institucionalizada onde vence a parte que melhor utilizou das “armas” processuais. Essa percepção do processo, como uma estratégia processual, contribuiu para a formação de profissionais do direito voltados mais para o litígio do que para a solução consensual do litígio. Na década de 1980, autores como Mauro Cappelletti deram especial ênfase aos denominados meios alternativos de solução de conflitos, buscando uma justiça coexistencial onde as alternativas de superação da lide são propostas pelas próprias partes e não por um terceiro equidistante. De fato, alguns conflitos não são resolvidos por uma sentença judicial. Imagine a hipótese em que um casal que ainda se ama por algum mal-entendido pretende se divorciar. Neste caso, independente do que o juiz decida num litigio sobre divórcio, o conflito social ainda permanecerá...

ADPF nº 976 E O ACESSO À JUSTIÇA DAS COLETIVIDADES

A decisão proferida na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 976 em 25/07/2023, que trata do Estado de coisas inconstitucional relativa às condições desumanas vivenciadas pelas pessoas em situação de rua, foi um importante passo em relação ao acesso à justiça das coletividades e dos grupos sociais invisibilizados. A medida cautelar concedida proíbe a remoção forçada das pessoas em situação de rua pelos estados, como também impõe medidas para assegurar a dignidade, como prévio aviso sobre mudanças climáticas. A ação foi proposta pela Rede Sustentabilidade, Partido Socialismo e Liberdade e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e conta com a cooperação de diversas entidades da sociedade civil organizada. A instauração do procedimento foi democratizado com a realização de audiência pública em 2022. Trata-se de um problema estrutural que aprofunda as desigualdades no Brasil e demanda uma solução estrutural precedida de um processo decisório amplo e democrático. É, sem dúv...