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Ordem cronológica de julgamento de processos como forma de administração da justiça

O novo Código de Processo Civil estabeleceu um sistema de julgamento célere priorizando o julgamento dos processos mais antigos. Não restam dúvidas que a função maior da regra é viabilizar a fixação de prazo médio para julgamento final das demandas utilizando como critério principal a data de distribuição, evitando a demora injustificada na prestação da tutela jurisdicional. Trata-se, portanto, de importante regra cujo escopo maior é contribuir para racionalização da administração da justiça impedindo que processos se prolonguem nas serventias, seja pela desídia das partes ou pela falta de estrutura do órgão judicial, causando desserviços aos cidadãos que dependem da solução adequada e em tempo razoável de seus conflitos. No entanto, a regra, para alcançar sua finalidade, depende de adequada implementação e organização pelos Tribunais de Justiça sob pena de permanecer inócua em nosso ordenamento jurídico. Passemos, então, à análise dos dispositivos legais. Conforme dispõe o art. 12 “Os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão” Com efeito, o Código privilegiou o julgamento dos processos mais antigos admitindo certo retardamento no julgamento de demandas mais recentes. A lista que estabelecerá a ordem ficará disponível no sítio dos Tribunais, podendo ser consultada pela população interessada no acompanhamento de seus processos. O problema que pode surgir na interpretação desse dispositivo diz respeito ao descumprimento da ordem cronológica pelo próprio Tribunal. Explico: uma determinada demanda ajuizada em 1991, embora muito antiga, não foi incluída na relação gerada pelo sistema do Tribunal. Nesse caso, como poderá a parte prejudicada reverter a situação de desvantagem? Para quem deve a parte pleitear o benefício de aceleração, ao juiz sentenciante ou ao Presidente do Tribunal? Entendo que a solução mais prática será requerer a inclusão do processo na lista ao juiz sentenciante e, caso seja indeferido, impugnar através do recurso de agravo de instrumento. Caso o descumprimento da ordem cronológico ocorra no âmbito dos Tribunais, em um de seus órgãos fracionários, a petição requerendo o benefício de aceleração deve ser direcionada para o Presidente do órgão. A Lei nº 13.105/2015 definiu as exceções às regras do julgamento por ordem cronológica no parágrafo 1º do art. 12, estabelecendo como preferências legais os seguintes casos: I - as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido; II - o julgamento de processos em bloco para aplicação de tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos; III - o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas; IV - as decisões proferidas com base nos arts. 485 e 932; V - o julgamento de embargos de declaração; VI - o julgamento de agravo interno; VII - as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça; VIII - os processos criminais, nos órgãos jurisdicionais que tenham competência penal; IX - a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada. Por fim, o novo CPC estabelece que a necessidade de se retirar determinado processo da lista para formulação de requerimentos, como tutela antecipada ou expedição de ofícios, apenas para exemplificar, não prejudica o respeito a cronologia previamente estabelecida. Significa dizer que se o processo estava na posição nº 120 e é retirado para apreciar requerimento urgente, após a decisão deverá retornar para sua posição de origem, qual seja a de nº 120 para o efetivo julgamento. Essa regra está disposta nos parágrafos 4º e 5º do art. 12. Importante registar, como última palavra, que trata-se, neste sentido, de reforma direcionada exclusivamente para racionalização da administração da justiça por parte do órgão judicial. Não se admitirá, portanto, alegações de descumprimento por falta de pessoal ou de estrutura do órgão julgador.

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